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Jornal Olho nu - edição N°39 - dezembro de 2003
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Jornal Olho nu - edição N°45 - junho de 2004

Modelo Vivo: profissão que nem sempre se pode levar na flauta

por Pedro Ribeiro*

Foto: Imagem capturada da TV/Rede Manchete

Alcides e sua maneira zen de levar a vida. (1994)

Alcides Nascimento, já na faixa dos sessenta anos, engenheiro de formação, exerce uma profissão que poderia ser o sonho de muitos naturistas: Modelo Vivo, que consiste em posar feito estátua para estudantes de arte, que desenham seu corpo como exercício, para aprimorarem seus traços e percepção do corpo humano. Invariavelmente ele faz isso nu, aliás exigência que ele fez para aceitar tal trabalho. Além de naturista, Alcides é naturalista e praticante de Yoga. Atualmente a praia do Abricó , no Rio de Janeiro, é o ponto onde, em todas as manhãs em que lá está, faz seus exercícios, ali mesmo, na praia, o que já atraiu muita curiosidade dos outros freqüentadores. Hoje em dia o pessoal já está mais acostumado.

No final da década de 80, abandonou a profissão de Engenharia, que exercia numa grande multinacional de papel e celulose por discordar dos prejuízos que algumas obras causavam à natureza e ao meio-ambiente. Foi morar numa fazenda para montar uma comunidade macrobiótica "no meio do mato", vivia nu, juntamente com seus  filhos ainda jovens. Hoje, divorciado, seus filhos não ficam mais nus, ele acha que por influência da ex-esposa, que nunca partilhou com ele destes momentos naturistas. É praticante do Yoga desde os 15 anos de idade, atividade que começou por acaso após o irmão mais velho ter adquirido um livro sobre o assunto e depois ter se desinteressado. O livro caiu-lhe nas mãos e o agradou em cheio, sendo um autodidata. Mas esclarece que não faz a parte espiritual do Yoga, pois se considera um tanto materialista.

Vocação para as artes plásticas

No início da década de 90, resolveu então estudar Belas Artes, matriculando-se na Universidade federal do Rio de Janeiro. Neste novo ambiente acadêmico, começou a se realizar e, numa das aulas de Modelo Vivo, acabou se tornando modelo em vez de aluno: "As verbas para as universidades sempre foram escassas, principalmente paras as áreas humanas", explica Alcides, "então os modelos que posavam nestas aulas eram operários que trabalhavam na universidade - faxineiros e faxineiras- , que se recusavam a posar nus e muitos nem faziam de roupas íntimas. Quando se falava em posar nu, eles chegavam a suar de muito nervosos. Isto me deixava muito insatisfeito, principalmente pela dureza dos modelos e gerava protesto dos alunos, que precisavam fazer os desenhos de todas as partes da anatomia humana. Numa dessas ocasiões de protesto, eu comecei a mostrar a um deles como deveria se portar enquanto posava. Neste momento um professor passava pelo corredor em frente à sala e gostou do que viu e me convidou para posar na aula de anatomia e acabei me tornando modelo vivo", conclui. Isto aconteceu em 1992. 

Hoje em dia Alcides posa apenas para os alunos da escola de artes que funciona dentro do parque Lage, na zona sul do Rio de Janeiro. Deixou de posar nas universidades federais por causa das constantes crises financeiras, que acabam cortando despesas que são consideradas "perfumarias" aos olhos dos tecnocratas do ensino superior. Embora os ganhos com esta atividade sejam muito pequenos, ele continua praticando-a por se sentir colaborador das artes plásticas e realizador de um serviço que não polui o planeta.

Manifestação

foto: Rosana Marinho/Folha de São Paulo

Em uma manifestação de protesto contra o descaso às universidades federais, Alcides posou como modelo vivo em uma aula pública em plana Cinelândia, centro do Rio.(1998)

Mas nem tudo são flores. Numa manifestação de protesto de funcionários e alunos da UFRJ, foi deliberado que as diferentes unidades e cursos levariam exemplos dos trabalhos realizados pela universidade, para a Cinelândia, região central do Rio de Janeiro, palco de grandes atividades culturais e manifestações políticas diversas, numa forma de aproximar a população com o universo acadêmico, um evento batizado de Universidade na Praça. Para a escola de Belas Artes, ficou decidido que seria montada uma aula pública de modelo vivo e Alcides foi convocado para posar. Convite prontamente aceito, porém com a exigência de ser inteiramente nu, da mesma forma que era feito na sala de aula: "desta forma, as pessoas não seriam enganadas e também ajudaria a demover esta hipocrisia da sociedade a respeito do nu", acredita. A exigência acabou causando divisão entre os próprios alunos, uns não aceitaram a idéia de vê-lo posando nu na rua. Alcides colocou pé-firme e sua idéia acabou prevalecendo.

Alcides estabeleceu outras condições: "terão que ser os melhores alunos a desenhar, todos deverão usar cavaletes, ninguém desenhando no chão ou nas coxas, fazer uma roda em volta de mim, uma coisa bem séria e profissional. também quero pelo menos 5 colegas da faculdade de Direito, perto de mim, porque tenho certeza que vou ser preso e levar muita porrada na delegacia."

A manifestação estava programada para ocorrer em três dias consecutivos. No primeiro dia, "aconteceu uma coisa engraçada. No momento imediato em que eu tirei a roupa o povo que passava pelo local ficou assustado e ouvi um garotinho, um menor de rua, conversando com outro: -ih, olha lá, ele tá pelado, vamo dar um pau nele. E o outro respondeu: né não, rapá, o cara tá parado que nem uma estáutua. O cara é um artista." , conta. Foi o máximo que aconteceu. O povo aceitou muito bem e o dia passou tranqüilo. No início muita gente parava e se aglomerava para olhar, mas com as outras atividades oferecidas pela instituição, isso foi se diluindo."

foto: João Carlos Ignácio

Em meio às sessões de yoga em plena praia do Abricó (2004)

"No segundo dia, os trabalhos todos acontecendo ao mesmo tempo, a orquestra sinfônica da escola de Música fazendo apresentação, o locutor através do sistema de som orientando o povo às atividades e eu no meio da roda dos desenhistas, bem próximo à estátua de Carlos Gomes. De repente, entra na roda um militar. Eu estava fazendo uma pose de Davi, que consiste em ter a cabeça voltada para a direita e o corpo para a frente, com um braço dobrado e erguido e o outro alongado pelo corpo. Já estava nesta pose, parado, há cerca de 30 minutos. O policial se aproxima pelo lado esquerdo, pára em frente ao meu corpo, não em frente ao meu rosto, e me deu voz de prisão. Continuei imóvel, sem poder vê-lo direito e ele repetiu a ordem. Como eu ainda não me mexia ele girou até em frente ao meu rosto e nova ordem de prisão. Permaneci como estava e fiquei com o olhar fixo. Então já bastante alterado repetiu a ordem. Mas no microfone, o locutor já anunciava ao público que um policial estava importunado o modelo. Então, todo aquele povo que havia se dispersado da área, voltou, fechou a roda e deixou apenas eu e o guarda no centro. Relaxei da pose e ele ordenou para eu colocar a roupa imediatamente e ir para a delegacia. Pedi a ele para ter calma, pois já estava na pose há quarenta minutos e eu precisava relaxar, invertendo a pose. Deitei no chão, nu, com as pernas pro ar e comecei a sacudi-las. Ficou aquela cena: o policial visivelmente constrangido ao meu lado e eu nu de pernas pro ar. Quando finalmente relaxei coloquei a cueca e reparei que muitas pessoas em volta começavam a protestar contra a prisão, tirando suas camisas e calças e muitos já estavam de cuecas, gritando que todos deveriam ser presos juntos. Foi uma confusão danada. Mostrei minha carteira do CREA (Conselho Regional de Engenharia) ao cidadão fardado e exigi ser preso por um oficial. Ele disse que já havia pedido reforços.

O imbróglio foi se avolumando, porque o povo exigia ser preso e o guarda ficou muito nervoso e tremia muito. Fiquei com pena dele e coloquei meus braço sobre seu ombro e tentei acalmá-lo dizendo que tudo aquilo era um teatro e nós éramos apenas os atores, com papéis bem definidos e no futuro ele irá rir de tudo isso... 

foto: João Carlos Ignácio

Seus exercícios na praia no início atraíam muita curiosidade. (2004)

Aquela cena toda parecia até 64. Neste tumulto todo encostam dois caminhões do batalhão de choque da polícia militar lotados de soldados, com capacetes, escudos transparentes e cacetes. Naquele momento eu tremi e pedi a presença dos colegas do Direito. Acabou virando manifestação política com as pessoas gritando palavras de ordem "abaixo a ditadura". Cinco parlamentares da Câmara de Vereadores, Chico Alencar, Antonio Pitanga, Azedo e mais um que não lembro o nome, liderados por Augusto Boal, descem do palácio e vêm para o centro da confusão. Boal, bem teatralmente, dirige-se ao guarda, e pergunta: - o senhor teve coragem de interromper uma sessão de modelo vivo ? - como se isso fosse fazer cair o mundo. O rapaz ficou totalmente tremendo e eu até fiquei com pena dele. - tire a roupa imediatamente ! - ordenou Boal. Eu fiquei receoso e ele acrescenta: - eu sou autoridade parlamentar ! Virei-me para o guarda e disse-lhe então, que teria que obedecer à ordem. O guarda, visivelmente humilhado, quase se ajoelhou e insistiu para que eu não fizesse isso, pois o comandante já estava chegando e se me visse nu na presença dele, ficaria em situação muito ruim. Então virei-me para a platéia e pedi para que aguardássemos, por três minutos, a chegada da autoridade que estava para a caminho. E o povo começou a fazer contagem regressiva em voz alta.

Quando chegou o comandante do pelotão da região, os parlamentares foram ao encontro dele. Eu ouvi a discussão e o comandante falar: - Não! se estava nu, vai preso. Continuava a confusão e o barulho e eu preocupado já me aproximei dos meus colegas do direito. Depois de algum tempo veio o Augusto Boal, ordenando: - tira a roupa ! Retruquei, mas Boal insiste e esclarece que o comandante iria ficar guardando minha nudez, para que nada me acontecesse, nos próximos vinte minutos que faltavam para eu completar o tempo da pose.

Enfim, foi realmente um sabor de arte, do que a gente chama de arte urbana, quando ela é feita assim, de maneira tão espontânea, e que mexe muito com o social. No final, fui agradecer ao Boal e ele se mostrou solidário para que nas próximas vezes que eu fosse posar nu na rua entrar em contato com ele, que conseguiria autorização da Câmara."

O Yoga e o Naturismo

reprodução da TV

Praia do Abricó (1994) pouco antes de ser proibida a primeira vez.

Alcides conta também que começou a vida naturista antes de começar como modelo vivo. "Naturista sempre fui. Até mesmo o ato de largar minha profissão já tem a ver com isso, pois eu me considerava trabalhando contra o planeta. E eu ia muito para as praias mais desertas, para ficar nu, embora proibido, como a Reserva o a ilha do Pontal. Até que surgiu o Abricó, mas em 1994 só a conheci quando ela já estava fechando pela proibição e cheguei até a aparecer numa reportagem da extinta TV Manchete, tocando flauta, inteiramente nu."

Colocando mais à tona seu lado místico, recomenda a leitura do Evangelho Essênio1 da Paz, para quem quiser conhecer mais sobre naturismo e a natureza do homem, que é encontrado nas livrarias, ou por encomenda: "Nas primeiras cinqüenta páginas, aparece Jesus conversando com os leprosos e os doentes, que servem muito como ensinamento ao comportamento humano."

Ficou espantado em encontrar a praia naturista com muitas pessoas passando o dia fumando e bebendo cerveja. Acha que isso é totalmente contraditório com a filosofia pregada, não por causa do fumo ou da beberagem, mas pela ingestão dos diversos produtos químicos absorvidos com tais atitudes. Sonha em encontrar um dia uma praia onde realmente as pessoas estejam despidas por fora e por dentro, despidas das fumaças químicas que vestem seu interior.

*editor do jornal OLHO NU

pedroribeiro@jornalolhonu.com 

(1)Essênio: membro de uma seita judia do tempo dos macabeus.


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