Jornal Olho nu - edição N°53 - fevereiro de 2005
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Jornal Olho nu - edição N°53 -fevereiro de 2005 - Ano V

Luiz Fernado Rojo é cientista social formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), é mestre em Antropologia e no final de março defenderá a tese que lhe dará o grau de doutor na mesma área e na mesma universidade. Tem 37 anos e é casado (leia mais a respeito dele em NATPersonagem do OLHO NU de dezembro de 2002). O tema de estudo de Luiz foi o Naturismo e os Naturistas. Ele concedeu a entrevista a seguir, no dia 21 de janeiro, em seu apartamento no Maracanã, Rj, a poucos quilômetros da universidade.

Vivendo Nu Paraíso

entrevista a Pedro Ribeiro* 

 

foto: Pedro Ribeiro

Luiz Rojo, em antiga foto tirada no Congrenat em 2002.

Luiz Fernando, apesar de todos os graus de estudo já alcançados até agora (e talvez por causa disso) é uma pessoa aparentemente muito simples. É muito claro em suas idéias. Na última entrevista concedida, afirmou que não era naturista mas que estava bem tranqüilo no meio. Voltando à mesma pergunta a resposta continua a mesma, mesmo tendo morado por um ano na Colina do Sol, local de sua pesquisa de campo, ele não se sente um naturista, mas gosta de ficar nu e sempre o faz quando tem oportunidade. Ele não se sente engajado no Movimento e gosta exclusivamente da prática.

Acredita que para o sucesso de uma pesquisa como a dele é necessário que o pesquisador se mantenha apenas com o olhar de observador e não com olhar apaixonado, o que poderia comprometer irremediavelmente os resultados concluídos.

E uma das conclusões pode chocar alguns naturistas. Acredita que existe uma tensão muito forte entre nudismo e naturismo, embora historicamente reconheça que um foi a conseqüência do outro. Mas esta tensão encobre a questão da nudez como uma filosofia apenas para justificá-la.

Acredita também que as regras estabelecidas reforçam a sensação de gueto, herança do passado fascista da Alemanha, país da origem do movimento nudista. Uma das regras que cita é a restrição de acesso aos locais naturistas de homens solteiros, ou melhor, desacompanhados de mulher.

- "O Movimento visto de fora parece ser muito homogêneo, porém, nesta convivência de 1 ano na Colina do Sol, pude perceber muitas queixas e insatisfações com o regulamento imposto, principalmente provenientes da área de Camping. Uma discordância entre uma proposição do naturismo como reforço da liberdade e a existência de normas que na opinião deles pareciam opostas exatamente a esta proposta original. Muitas das críticas eram muito bem fundamentadas e muitas sugestões interessantes eram apresentadas. A heterogeneidade fica bem clara para quem convive, pois há diversos subgrupos formados, que não se entrosam nem compartilham de todas as mesmas diretrizes."

Perguntado sobre o que acha da obrigatoriedade do nudismo nas áreas naturistas, como é feita na maioria das praias, Luiz respondeu que isso reforça "a idéia de ser um pequeno grupo de iguais que se reúne para ficar sem roupas. Porém gera tensões e conflitos com o restante da sociedade que reage criticando e zombando quando há oportunidade, enfrentando reações institucionalizadas como Igreja e Advogados, que nada mais são ações que demonstram como incomodam as tentativas de mudança. 

Para mim, como pesquisador, me interessam sempre essas possibilidades que os movimentos, que lidam com moral, com o corpo, com a sexualidade, têm de colocar em cheque valores da própria sociedade.

No Brasil, há uma série de questões mal resolvidas geradas pelo preconceito, como o racismo, a homofobia. Nossa sociedade parece tolerante desde que cada um fique em seu lugar. Na hora em que há as misturas há os conflitos, as tensões. É o que acontece também com o nudismo. Na hora em que se colocam em locais públicos a tolerância desaparece e aflora o sentimento de afronta.

Não sei dizer que rumos o Movimento naturista no Brasil vai tomar no futuro. Se vai continuar lutando por espaços reservados, o que eu chamaria de guetos ou se vai lutar pela inserção em todos os locais públicos. Não há um direção apontada com certeza.

No momento a imagem que se vende é a do Naturismo como mais uma prática exótica que pode fomentar o turismo, que causa curiosidade e  indignação em muitos."

Questionado então sobre o que acha da Lei Gabeira, em que uma das justificativas para a regulamentação do naturismo é justamente o suposto incremento do turismo no Brasil (calcula em mais de um milhão de pessoas visitando nosso país anualmente por causa das praias naturistas), respondeu que "o naturismo abre uma porta boa para esse incremento. O nordeste do país tem condições de organizar praias com estas finalidades, principalmente por causa das condições climáticas ideais e haver ainda muitas praias não tomadas pela especulação urbana. Mas, " ressalva "mais uma vez terão que ser avaliados os danos causados ao Movimento, pois reforçará ainda mais o sentimento de exotismo. O Movimento ainda está em fase de estruturação e pode ser prejudicial."

Mudando o rumo da conversa, perguntei a opinião de Luiz sobre o modo de alguns naturistas encararem o Movimento não apenas como uma filosofia comportamental, mas quase como uma espécie de religião, com dogmas inquebráveis e indiscutíveis. Ele afirma que "esta visão do Naturismo quase como uma religião ressalta, para algumas pessoas, que a filosofia do naturismo é apenas uma justificativa para poder ficar sem roupas. Some a idéia de prazer associada ao Naturismo. A própria idéia de prazer é muito complicada para muitas cabeças pois remete à idéia do hedonismo, que é visto de uma forma muito deturpada e caricatural. Tenho uma amiga que faz uma pesquisa sobre o hedonismo e revela que é um movimento também com muita seriedade.

A idéia da rejeição do prazer vem de um fundo religioso, impregnado na formação cultural do cidadão que se investe no Movimento. O próprio título da tese "Vivendo Nu Paraíso" remete a esta idéia de que o Naturismo é o reencontro do paraíso bíblico na Terra. E recorrência da utilização da palavra PARAÍSO em nomes de clubes, bares, restaurantes, propagandas e discursos sobre o naturismo revela esta ligação íntima entre Naturismo e religião.

Em uma ocasião entrevistando uma pessoa moradora da Colina do Sol sobre esta relação entre Naturismo e paraíso ela disse que 'a Colina do Sol é uma coisa tão perto do que a gente imagina o que é o paraíso, que dá idéia de quando a gente morrer nem sinta a diferença'. Isso me chamou muita atenção. Afinal o que é esse paraíso parta o naturismo? Será muito mais do que apenas uma metáfora inconseqüente com o paraíso bíblico de Adão e Eva? Ou será que para se ingressar no mundo naturista é necessário se vestir de uma pureza comportamental e de valores que remete novamente para uma leitura extremamente religiosa. E visto sob este aspecto, como religião, o naturismo se apresenta como uma verdade que não pode ser questionada por outras verdades. Não pode se misturar. Precisa sobreviver em guetos. Provocando sempre uma perspectiva totalizadora, pois embute a mensagem de que ela traz o melhor.

Muitos entrevistados na Colina declaravam que 'nós, naturistas, somos mais respeitadores, somos mais educados...'. Quase sempre se autodeclaravam  como seres próximos à perfeição e eles já estavam no pré-paraíso."

Sobre a afirmativa de que muitos naturistas fazem Quem é naturista, já nasce naturista, Luiz discorda e aponta que ela reforça a opinião de que para muitos o naturismo é sinônimo apenas de ficar nu, diferentemente do que prega a filosofia, e serve apenas para encobrir um desejo exibicionista. Lembra que estar vestido ou nu são características culturais bem delineadas socialmente. "Ninguém nasce naturista, nasce apenas nu, o naturismo é um aprendizado como qualquer outro".

Como se vê há muito ainda que se discutir e estudar sobre esta filosofia emergente. Sua tese será defendida no dia 31 de março de 2005, a partir das 14:30, no auditório do 9º andar na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Luiz convida a todos para assistir, pois é aberto ao público em geral. Imperdível.


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