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Jornal Olho nu - edição N°53 - fevereiro de 2005
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Jornal Olho nu - edição N°53 - fevereiro de 2005 - Ano V

Vó Filomena 

Por Wagner Rotta* 

Eu estava no meu quarto olhando umas fotos antigas, quando achei uma de minha avó Filomena. Nunca vi pessoa tão extraordinária como ela. Sempre teve uma vontade e um prazer de viver que impressionavam a todos. Morreu com mais de cem anos, mas já estava desenganada pelos médicos desde os 80. Como ela nunca acreditou em médicos... 

Na verdade, se hoje eu sou o homem que sou, agradeço muito à ela. Suas palavras eram sábias. Ela gostava de uma festa de uma boa farra, churrasco, vinho, dançar, etc. Mas quando o assunto era sério, ninguém se atrevia a interromper. 

Era uma mulher valente. Teve doze filhos de parto normal, todos homens, todos em casa com uma parteira. Três morreram e ela mesma enterrou. Nunca precisou do meu avô para fazer nada na vida, sabia se virar sozinha. Principalmente depois que ele morreu. Ela sustentou sozinha a casa e fez todos os filhos estudarem até a universidade. Ela mal sabia ler e escrever, mas sabia a importância do estudo. Nunca deixou os filhos trabalharem antes de terminarem a faculdade. 

Ela adorava comemorar o seu aniversário, dizia que cada ano de vida era uma dádiva de Deus e deveria ser lembrado por todos. Ela achava que viver 50 anos, era o suficiente para uma vida. Então, a partir desta data, a cada dez anos, ela fazia uma comemoração especial. Em seu aniversário de 50 anos ela resolveu fazer um rapel. No de 60 anos ela pulou de bung jump. Já no de 70, pulou de asa delta, e no de 80, saltou de pára-quedas. 

Lembro-me, em especial, de um aniversário seu, que ela estava completando 90 anos. Apesar da idade, ela estava completamente lúcida. Lá estavam os nove filhos com as esposas, os 15 netos, 21 bisnetos além de muitos amigos. A casa estava lotada de gente. 

Ela havia prometido uma grande festa e uma surpresa ainda maior. Todos estavam ansiosos para saber qual era a surpresa, alguns preocupados e outros desesperados. Em se tratando de surpresas de vó Filomena, era realmente de se preocupar. 

O que viria naquele aniversário? Esta era a pergunta que todos se faziam. Mas ninguém se atrevia a responder. A ousadia e a sandice de minha avó transcendia qualquer imaginação. Cada um imaginava uma coisa diferente, e cada imaginação era mais fértil que a outra. 

No meio da festa ela se retirou, disse que ia a seu quarto e que já voltava com a surpresa. Houve uma sensação de alívio geral. O que ela poderia aprontar indo ao quarto? Nada poderia ser pior do que o que ela havia feito nos anos anteriores. Assim pensavam todos, mas estavam todos enganados.

Quando vó Filomena voltou, estava vestindo um roupão e acompanhada de um homem que tinha apenas 50 anos, ou seja, mais novo que alguns dos filhos dela. E também estava de roupão. 

A música parou e todos se voltaram para ela. A expectativa era muito grande. 

- Eu queria começar agradecendo a presença de todos vocês. - Foi assim que ela começou a revelar seu segredo. - É um prazer imenso ter vocês aqui, minha família, meus amigos, padre. Vocês sabem que eu não sou de fazer rodeios e eu sei que estão todos curiosos para saber o que eu vou "aprontar" neste aniversário. Então vamos a elas

Quando ela falou "vamos a elas", soou o sinal de alerta em todos, não era uma, e sim duas surpresas. Se nos anos anteriores, quando era mais nova, ela quase nos matou com uma, imagine com duas. 

- Quem será este homem que está ao lado dela? É o que vocês devem estar se perguntando. - Continuou ela. E estava certíssima. - Este aqui é o Edgar, meu novo marido. - O espanto foi geral - Nós nos casamos ontem no cartório da cidade, não chamei ninguém porque eu sabia que muitos de vocês iriam querer dar suas opiniões, mas eu não estou aqui para ouvir a opinião de vocês, estou aqui para comunicar o meu casamento. E eu espero que vocês o recebam em nossa família como eu o recebi, de braços abertos. E isso não é um pedido. 

Ouve um silêncio sepulcral, ninguém se atreveu a falar nada. A ordem havia sido dada. 

- Que bom que vocês gostaram dele. Agora vamos à segunda surpresa. Apesar do pouco tempo de convívio com o Edgar, eu já aprendi muito com ele e com sua forma de viver. E tenho certeza que o mundo seria melhor se todos pensassem desta forma, até mesmo a igreja, padre. - ninguém conseguia entender nada. - O Edgar é naturista, e a partir de hoje eu estou adotando esta filosofia de vida

Ao falar isso, ela e o Edgar tiraram os roupões e ficaram nus. Foi um escândalo geral. As crianças que estavam na festa começaram a rir, os filhos não sabiam o que fazer, as noras não sabiam se tiravam as crianças dali ou brigavam com os maridos. O padre ficou horrorizado e as beatas desesperadas, algumas chegaram a desmaiar. 

- É bom todos irem se acostumando. - Continuou ela. - Pois só vão me encontrar assim em casa. Ah, e o Edgar também. 

Eu não sei se alguém ouviu estas últimas palavras de minha avó, mas eu que assisti a tudo quieto, como sempre aprendi uma lição com minha avó. 

Impossível esquecer aquele aniversário. A família queria colocar a culpa no Edgar, mas minha avó não deixou e nos anos seguintes ele se mostrou um marido exemplar, ficou ao lado de minha avó até o fim. E quando ela se foi, ele simplesmente partiu de nossa vida. Ele só estava ali por causa do amor que sentia por ela. Não sei que fim ele levou. 

Hoje sou casado com uma mulher maravilhosa, tenho três filhos e dois netos, todos naturistas. Sou dono de um sítio naturista que leva o nome de minha avó. Ela, sem perceber estava abrindo esta porta pra mim. Se hoje sou o homem que sou, devo muito a ela. 

Fim 

Terminado em: 06 de Junho de 2004.

*wagnerrotta@uol.com.br 


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