SEU JORNAL VIRTUAL SOBRE NATURISMO NO BRASIL E NO MUNDO

 

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      A história do naturismo no Brasil está sendo contada em capítulos nas edições do OLHO NU. De autoria de Roberto Soares, naturista de longa data e aficionado pelo Movimento, que a relatou originalmente para ser publicado no livro Luz del Fuego - A Bailarina do Povo de Cristina Agostinho, Branca de Paula e Maria do Carmo Brandão (Editora Best Seller - 1994). Baseando-se no que foi publicado na imprensa em geral e em experiências e fatos vividos por ele próprio, Roberto começou sua trajetória a partir de Luz Del Fuego, que era o personagem central do livro, depois focalizou a famosa Dona Beja, e em seguida relatou as experiências difíceis para encontrar o Naturismo na época da Ditadura Militar, entremeando sua história pessoal com os fatos históricos. Nesta sexta parte, Roberto relata sua volta ao Brasil, sua saída do rio de Janeiro e volta para Porto Alegre e quando descobriu sua vocação para executar a pintura corporal.
 

"Encontro com o Paraíso"

6º capítulo

Volta ao Brasil

Por Roberto Soares*

 

     De volta ao Brasil, depois de literalmente gastar tudo o que possuía, precisei de emprego, e fui procurá-lo na área do turismo. Por conselho de uma amiga, procurei a Soletur, onde tive a oportunidade de realizar um curso completo de guia turístico. Depois de um ano viajando pela América do Sul, tornei-me guia intercontinental.

     Meu pai dizia que eu era um "Cidadão do Mundo"; já estava chegando aos quarenta, e conhecia boa parte do planeta. Aprendera muito sobre costumes e tradições de vários povos, de países em geral mais avançados social e culturalmente que o nosso Brasil. Aprendi alguns dos seus idiomas e muito de suas histórias; pude concluir que os conceitos e padrões sociais são inerentes a cada povo, podendo diferir totalmente em grupos sociais distintos, ou até mesmo, e muito comumente, em diferentes épocas dentro do mesmo grupo. Imagine, por exemplo, Luz del Fuego hoje, com vinte anos de idade, vivendo no Rio de Janeiro.

     O que um determinado grupo social, em uma determinada época, considere corretíssimo, pode chegar a ser considerado crime por outro grupo, ou em outra época. Temos o exemplo da inauguração simbólica da despoluição do canal em Estocolmo; o próprio prefeito teria sido condenado por incitar a população ao atentado ao pudor público, se fosse às margens do Tietê, em São Paulo, segundo a legislação brasileira.

     Felizes as pessoas que não se curvam a preconceitos, que experimentam verdadeiramente a graça de viver, agindo segundo suas próprias consciências; como Dora e Ana Jacinta viveram. Lástima que a maior parte de nós ache isso impossível, e morra frustrada sem nunca na verdade vivenciar suas próprias experiências.

     No verão de 1992, assustado por alguns acontecimentos, decidi deixar o Rio. Primeiro tive meu apartamento, na Tijuca, visitado por quatro rapazes muito bem educados, além de delicados, que foram dar-me bom dia com carinhosos socos, coronhadas e fios de faca na pele; antes de promoverem a faxina, aliviando minha casa de tanta tralha desnecessária, que havia apenas custado o suor de alguns anos de trabalho decente. E se discutem os direitos humanos. Tudo isso com a luz do sol entrando pelas janelas, num prédio de mais de quarenta apartamentos; sem que ninguém visse, ou mesmo se importasse com o acontecido.

    Depois foi a vez do meu carro, roubado num assalto em Jacarepaguá das mãos de um casal de amigos, que só não morreram por milagre, pois foram tirados dele a tiros, que estouraram um vidro e perfuraram a carroceria.

     Que mundo é este? Porque os cariocas, abençoados e agraciados pelo cenário natural mais lindo do mundo, povo tão alegre, hospitaleiro, trabalhador, e de espírito gaiato por tradição, tem que "pagar este mico"?

     Arrumei as trouxas, desta vez um pouco mais do que vinte anos antes, e vim de muda para Porto Alegre. Vim ficar junto de minha família, perto de meu pai, cuja saúde já estava bastante debilitada; e curtir esta terra, longe de um lugar ideal, mas onde a violência ainda engatinhava na época.

     Na verdade, chegara de viagem do exterior, e recebera a notícia de que meu pai não estava bem; vim vê-lo, felizmente já o encontrando em franca recuperação, mas me apaixonei pela cidade. Qualquer pessoa que dedicar-se a visitar Porto Alegre durante os oito meses quentes, que englobam a primavera, o verão e a maior parte do outono, se gostar de flores, de cidade limpa e povo feliz, também vai apaixonar-se pela qualidade de vida que ela possui.

     Em setembro, são as azaléias que enfeitam os jardins; em outubro e novembro, é a vez dos jacarandás darem seu show, cobrindo sessenta por cento das calçadas da cidade, com sua constante chuva de pequenas flores lilases; então chega o verão, capitaneado pelos ipês cobertos de ouro, e todas as demais flores, como as hortênsias dos jardins residenciais. Para fechar a temporada, em março e abril, a cor rosa claro cobre as gigantescas paineiras, por toda a cidade.

     E foi isso, o multicolorido verão porto-alegrense tocou meu coração de tal forma que, um mês depois, em fevereiro, minha mudança estava chegando.

     Foi na casa de meus pais, folheando o jornal Zero Hora, que uma pequena nota, quase no rodapé de uma página, chamou minha atenção. O título dizia: "Nudistas ganham revista especializada". E a nota falava sobre o lançamento da revista Naturis, de circulação bimensal, que chegaria às bancas nos próximos dias, contando tudo sobre o movimento naturista no Brasil. Era a notícia que eu havia esperado por quase oito anos, desde a reportagem de Tarlis Batista, na Manchete de 1984. Passei a perguntar de banca em banca diariamente, até encontrar o número 1. Foi a melhor surpresa de toda a minha vida naturista, desde a revista editada por Luz del Fuego, que encontrara na casa do tio Jorge. Era melhor mesmo que ter mergulhado nu, com o prefeito e centenas de pessoas em Estocolmo, ou que nossa praia escondida na Rio-Santos, melhor que tudo.

     Ali estavam as fotos de duas praias oficiais de Naturismo no Brasil, Tambaba, no estado da Paraíba, e a já falada praia do Pinho, a revista falava ainda de um grande projeto naturista para Pedras Altas, mais ao sul, também em Santa Catarina, e da Federação Brasileira de Naturismo, oficialmente afiliada à INF, tendo inclusive representado o país no último congresso internacional, na Flórida.

     Era tudo o que eu precisava saber, o sonho de Luz del Fuego ainda estava vivo, nosso Brasil já tinha Naturismo devidamente legalizado, e conquistando mais e mais adeptos. Pessoas evoluídas haviam rompido as barreiras dos preconceitos e tradições religiosas, assumindo seu direito à felicidade e à liberdade de conviver nus socialmente, expondo toda a sua pele e genitália à helioterapia e à aeroterapia; dando início ao processo que certamente levará o ser humano ao auto-conhecimento e à autenticidade plenos, à identificação de nossos verdadeiros ideais.

     Dois meses depois, adquiri o número 2 da revista, e comecei a programar minha ida ao Pinho para o verão seguinte; marquei minhas férias para fevereiro, quase um ano depois, não muito para quem já esperara tanto. Os meses foram passando, e nunca mais encontrei outro número da revista nas bancas, um jornaleiro chegou a dizer-me que não estava mais sendo editada; lastimei, mas nunca alterei meus planos.

     O verão levou o triplo do tempo normal para chegar naquele ano; no início da primavera eu já contava os dias, e imaginava como seria no Pinho.

     Desde menino, tive grande afinidade com pincéis e tintas; freqüentei a escolinha do Instituto de Belas Artes até a adolescência e muitas vezes executei um ou outro trabalho de arte, despretensiosamente, a título de passatempo. Em Paris, fui convidado por uma amiga brasileira a faturar alguns francos, posando numa escola de artes; topei, e durante três dias, passamos quase dez horas por dia posando nus pelos estúdios da escola. Entre uma pose e outra, descobrimos que havia um artista americano ministrando um curso de pintura corporal para alunos da escola. Forneciam-nos uns robes de tecido, amarrados à frente, para circularmos; vestidos assim, tínhamos acesso a qualquer estúdio. Convenci minha amiga Cristina, a passar nossas folgas assistindo às aulas do americano, acabando por ela ser chamada para servir de modelo para ele. À noite, quando ela voltava da universidade, praticava pintando-a.
 

    De volta ao Brasil, experimentei fazer alguns trabalhos, contando com paciência e boa vontade de uma ou outra amiga voluntárias, que sempre terminavam muito felizes com os resultados.

     Há basicamente duas técnicas diferentes de "body-painting", uma delas utiliza uma espécie de maquiagem, o "pancake", que é muito comum em palhaços, para apresentar-se no picadeiro; não é tóxica, e tem como grande vantagem a durabilidade do trabalho, uma vez que não seja quebradiça, e seja resistente ao suor do corpo.

     A outra técnica, utiliza a tinta acrílica aplicada com pincéis; é bem mais bonita, por seu brilho. Não é tóxica, pois não reage com a pele, permitindo uma cobertura de setenta por cento do corpo por um período de até seis horas, sem problemas para a respiração dos poros. Esta técnica, porém, tem baixíssima durabilidade, pois depois de seco, o acrílico torna-se quebradiço.

      De qualquer forma, como a maioria dos "body-painters" naturistas do mundo, adaptei-me melhor ao acrílico, pela terapia do toque dos pincéis, e pelas cores mais vivas. Quanto à baixa durabilidade, encaixa-se bem aos objetivos de uma praia de Naturismo, onde o mais importante é expor toda a pele ao sol; por isso, terminada a pintura, ela dura o tempo necessário para ser eternizada pela fotografia, porquanto seja efêmera, e para desfilar a vaidade feminina enfeitada, podendo ser removida em seguida.

     Imaginei-me pintando na praia do Pinho, como já havia visto artistas fazendo em outras partes do mundo.

     Muitos perguntariam: "Porque somente corpos femininos?" A resposta seria bastante simples: A inspiração do artista é o gosto que ele tem pelas cores, texturas, aparências, aromas, formas, sons, ou significados do que ele esteja criando; o artista ama sua criação porquanto sua, fruto da própria imaginação. Não me vejo adorando qualquer coisa sobre o corpo de um congênere; nem encontrando inspiração alguma sobre um. Trata-se de um ponto de vista bastante pessoal e indiscutível, que pode mesmo ser compartilhado por muitos; assim como contestado por outros.

     A psicanálise pode mesmo explicar as contestações pelo princípio da transferência; ou seja, ao ver-me pintando sobre um corpo feminino, alguém poderia imaginar o que ele mesmo estaria experimentando, se estivesse no meu lugar. Só que não é ele quem está pintando, sou eu, uma pessoa verticalmente diferente dele próprio; totalmente imerso em meu universo de criação, sentindo apenas o meu trabalho e o prazer que ele me dá.

     Pensando assim, decidi levar minha maleta de pintura ao Pinho, pois a pintura corporal é uma marca registrada do Naturismo, no mundo todo e desde o início dos tempos, haja visto os índios, que pintam o corpo para enfeitar-se para festas, demonstrar tristeza em funerais, e agressividade nas guerras. Desfilar uma criação artística sobre a própria pele, é certamente uma manifestação genuinamente naturista.

 

 

*Naturista gerente do bar da praia de Massarandupió na Bahia.

robertoelurdes@hotmail.com

 

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