E o barquinho vai... Cheio de alegria e naturistas

 

por Pedro Ribeiro*

 

foto: Pedro Ribeiro

As inscrições para o passeio de catamarã começaram dois dias antes do evento, na praia de Tambaba

Ninguém sabia antes. Mas depois que foi comunicado aos participantes do Encontro que estava programado um passeio de barco em rio da Paraíba, ele se tornou o evento mais esperado. O passeio de catamarã(1), foi o ponto alto do V Encontro Nacional de Naturismo realizado no estado da Paraíba. As águas tranquilas do rio Paraíba, na sua foz, serviram de palco para a divulgação do naturismo em outro município, em Cabedelo, para ser mais preciso, famoso pelo por do sol mais bonito do Brasil, segundo a propaganda oficial da empresa de turismo da cidade. Agora a cidade será também conhecida por ter abrigado o primeiro passeio naturista de barco realizado na Paraíba.

 

Muitos estavam desconfiados. Pois nem sempre o que é "vendido" como naturista acaba sendo no final das contas. De vez em quando uns naturistas se metem em algumas "furadas", seja pela desorganização, seja pela total ausência da ética naturista.

 

As inscrições ocorreram dois dias antes, 13 de outubro, na praia de Tambaba. O preço era atraente: R$ 5,00 por pessoa. Por que só isso ? A resposta era que a empresa estatal de turismo, a PBTUR estava patrocinando o barco. O dinheiro era para pagar apenas a tripulação. Bem, uma coisa oficial parecia mais confiável. De qualquer forma, muitos acreditavam que ficar nu seria quase impossível, principalmente os que já conheciam o rio e achavam as margens muito próximas.  O passeio estava restrito a 40 pessoas e precisava de uma identificação de cada um para a Capitania dos Portos. Teve gente que já começou a achar que todos seriam presos após o passeio, ou, ao menos, fichados.

 

Bobagens. Isto demonstra também um pouco da falta da confiança dos naturistas nos próprios naturistas e até no próprio naturismo. Sempre achar que está fazendo alguma coisa errada e que a polícia vai estar logo por perto para reprimir.

 

O sábado marcado, 15 de outubro, era um dia de Sol, como se isso fosse novidade na Paraíba. Às 9 e meia da manhã, chegou o ônibus da prefeitura do Conde para pegar os naturistas na pousada ZECAS de propriedade do Damasceno, onde estava hospedada a maior parte dos participantes do Encontro, que vieram de outros estados.

 

foto: Affonso Alles

Pedro em frente ao marco do ponto mais oriental do Brasil

A trajetória incluiu um pequeno tour em João Pessoa, já que para chegar em Cabedelo, era necessário atravessar a capital. Visitamos o ponto mais oriental do Brasil e passeamos pela avenida beira-mar. Chegamos ao nosso destino, após uma hora de viagem. Um restaurante na beira do rio Paraíba, onde havia um píer, de onde partiria nossa embarcação. Lá encontramos nosso anfitrião Carlos Santiago, o responsável pela organização e membro do grupo naturista NU (Naturistas Unidos) de João Pessoa. (leia entrevista clicando aqui)

 

Minutos depois o grupo já estava embarcado. Muitos ainda desconfiados da veracidade das informações. Seria mesmo um passeio naturista ? O grupo era heterogêneo. Embora a maioria fosse de naturistas, havia alguns não naturistas, pessoas que quiseram participar do passeio, mas não eram pertencentes a qualquer grupo naturista conhecido.

 

As informações eram passadas pela jovem tripulação, sobre o rio e sobre as condições da navegação. Foi colocada música, um tanto alta para ouvidos mais sensíveis e para quem pretendia curtir a natureza integralmente. Não mais que cinco minutos depois que começamos a navegar, veio a sugestão da tripulação: quem quiser, já pode tirar a roupa. Muitos ficaram atônitos, achando que ainda estávamos muito perto do píer, mas a ansidedade era maior do que o receio e quase todos já estavam nus, embaixo de um sol forte, não mais que dez minutos após a partida. Somente os não naturistas continuaram de roupas.

 

A embarcação, um pequeno catamarã, de nome Vitor, de dois andares,  sendo o andar superior um grande terraço onde se concentrou a maior parte dos viajantes, corria firmemente entre as margens do rio, onde avistávamos perfeitamente a população ribeirinha e, reciprocamente, ela também nos avistava. Não havia qualquer sinal de reprovação, nem mesmo de espanto.

 

foto: Pedro Ribeiro

O pequeno barco à vela, tripulado por adolescentes, seguiu nossa embarcação por vários minutos

Nem mesmo nos barcos que passavam por nós, os passageiros davam qualquer sinal de antipatia para nós, ao contrário, acenavam e faziam o sinal de positivo com o polegar. A aceitação era um sucesso. Até mesmo numa pequena embarcação à vela, a tripulação de adolescentes, que nos seguiu por um bom tempo, foi simpática e tranquila. O mais surpreendente foi quando apareceu um barco da Capitania dos portos e fez com que os jovens deixassem de nos seguir, em compensação eles próprios nos seguiram, o que causou alguma reação de desconfiança de alguns naturistas. Na verdade eles nos escoltaram para nossa segurança, a uma distância não constrangedora, até alcançarmos a praia , onde desembarcaríamos para um passeio.

 

Neste momento tivemos nossa primeira aventura. A mata que circundava a pequena praia do rio estava pegando fogo. Nos sentimos na obrigação de tentar debelá-lo. Assim, as pessoas que desceram para a praia foram solidariamente ajudar a combater o fogo que se espalhava. Não tínhamos muitos equipamentos, mas foram improvisados baldes com água e ancinhos. E estávamos tendo sucesso. Não muito tempo depois apareceram, do nada, dois funcionários da prefeitura que vieram apagar o fogo um pouco mais equipado do que nós.

 

foto: Pedro Ribeiro

Os naturistas desceram para ajudar a apagar o fogo que consumia a mata na margem do rio.

Passada essa aventura, retornamos ao barco e continuamos nossa trajetória pelo rio. Nossa próxima parada seria não naturista, numa das margens onde há algumas construções e restaurantes para receber turistas.

 

Nessa altura alguns dos não naturistas presentes ao passeio, já estavam nus. Eu conversei com dois deles, um professor, que estava com a esposa, somente ele ficou nu, e uma professora que ficou de top-less e seu filho, que também, neste passeio não tenha ficado nu.

 

O professor Fernando Antonio, de 46 anos, nascido em Aracaju, Sergipe, participou também do V Encontro Nacional de Naturismo de Tambaba, indo a palestras e à praia. Ficou sabendo do evento através de uma nota divulgada na Internet. Em site de busca, procurou por Tambaba e na página eletrônica ficou sabendo da programação. Ficou interessado nos temas dos debates e palestras, por causa das áreas em que atua profissionalmente, a psicologia, a de turismo e meio ambiente. Se propôs a participar para ter aprofundamento no tema Naturismo, no qual se interessa.

 

A única experiência anterior que teve com o naturismo foi de meia-hora, na própria praia de Tambaba. A esposa não ficou muito à vontade e ele teve que ir embora. A esposa ainda é reservada neste assunto, embora tenha estado na praia de Tambaba nos três dias do evento, juntamente com seu marido. Ficou um pouco decepcionado com o Encontro, que no início estava sendo chamado de Congresso. Acabou se frustrando porque foi participar com uma perspectiva acadêmica da palavra Congresso, com temas mais aprofundados e debatidos.

 

A professora Mary, 49 anos, trabalha no Centro Federal de Educação Tecnológica do estado de Sergipe, também fazia parte do grupo de Fernando, e também trabalha na área de turismo. Os dois vieram com intenção de fazer um trabalho conjunto sobre o Congresso. Ela ficou curiosa com a temática proposta, justamente por fazer parte de sua tese de doutoramento "Eco-turismo e territorialidade". Explica que a questão território tem muito a ver com que o naturismo busca atualmente. Achou muito positivo. Se sente agradecida ao seu amigo Fernando, pelo convite que lhe fez, e que realizou uma fantasia que tinha.

 

Conta que a experiência na praia de Tambaba foi "um pouco complicada, porque para tirar a parte de cima não foi problemático, o problema foi descer as calças. E aqui não tive coragem. Mas gostei muito. Achei uma respeitabilidade muito grande, a maioria é de casais. Não vi nada que foge a você estar vestida ou não. Realmente foi uma experiência ímpar. Não sei ainda como vou conversar com meus alunos, mas sei que vou", confessa. "O Marido ficou meio chateado com essa vinda, mas ele compreendeu por causa dos objetivos."

 

foto: Pedro Ribeiro

A professora Mary era uma das não naturistas presentes ao passeio

Diz que o evento falhou na realização das palestras, pois algumas não aconteceram e a deixaram frustrada. E pede que se cumpra realmente a programação em uma próxima vez. O respeito à pauta faz com que o evento tenha credibiliade e o público se sinta respeitado.

 

O filho de Mary, João Bosco, 17 anos, não se sentiu à vontade para ficar sem roupas no barco, mas nos dias em que esteve em Tambaba não teve problemas em seguir as normas. Disse que gostou da experiência, mas sentiu falta de mais jovens da idade dele.

 

Depois da parada para refeições, o barco seguiu seu trajeto naturista. A alegria a bordo era enorme, com muita música e dança. Tínhamos que voltar ao píer, porque deveríamos assistir ao pôr-do-sol mais famoso no Brasil. Quando nos aproximávamos pusemos novamente nossas roupas. Parecia que o público que superlotava os restaurantes à beira do rio estava todo à nossa espera. Embora isso fizesse um bem danado para nosso ego, a verdade é que eles esperavam pacientemente o espetáculo diário da natureza.

 

De repente, uma pequena embarcação no meio do rio, habitada por um saxofonista, através de um sistema de som muito bem feito, entoava os acordes do "Bolero" de Ravel, acompanhado de vários outros instrumentos musicais, tocados por músicos que estavam nos restaurantes, fazendo uma sinfonia de fundo para o lindíssimo por-do-sol. Um espetáculo simples e emocionante. São cerca de quinze minutos de pura magia.

 

foto: Pedro Ribeiro

Claudemi, Edson e Bráulio, a trripulação do Catamarã

Finalmente o barco atraca e enquanto os passageiros desembarcam, tive tempo para uma pequena conversa com a tripulação. Bráulio, 27 anos, é o comandante, que explica que foi a primeira vez que conduziu um grupo naturista. Ele não se sentiu nem um pouco constrangido, porque o comportamento das pessoas é totalmente natural e respeitoso. Ele não é naturista, mas já esteve umas poucas vezes na praia de Tambaba. A primeira vez em que ficou nu, ele se sentia constrangido é com as pessoas que ficavam de roupas. Achou muito bom quando foi convidado a tripular o passeio, porque teria chance de conhecer pessoas novas e uma cultura nova. Os outros dois integrantes, Claudemi e Edson, não se sentiram nem um pouco incomodados com os naturistas.

 

O final do passeio foi saborear um peixe no restaurante, não incluído no preço, à beira do rio Paraíba e com música ao vivo. Depois retornamos ao Conde. Já era oito horas da noite, de um sábado plenamente bem aproveitado. E o pessoal dentro do ônibus ainda tinha energia para brincar e cantar. Perfeito para quem no início suspeitava de estar entrando numa furada.


Veja o FOTO ÁLBUM com dezenas de fotos do passeio de barco


 

(1) Embarcação esportiva ou de recreio, formada por dois cascos longos e estreitos, paralelos, presos por varões sobre os quais há uma plataforma.

 

*editor do jornal OLHO NU

pedroribeiro@jornalolhonu.com

 

Saiba também como foi o dia dia do V Encontro Nacional de Naturismo

Jornal Olho nu - edição N°62 - novembro de 2005 - Ano VI


Olho nu - Copyright© 2000 / 2005
Todos os direitos reservados.