Agenda Cidadã: Identidade e Atitude

por Paulo Pereira
Outubro/ 2021

Vivemos tempos obscuros, dias nebulosos de pandemia, de pandemônio, mais uma tragédia anunciada... E o bicho-homem sempre a elucubrar, alienado, confundindo fatos e narrativas, mito e verdade, uma grave crise de identidade e de atitude, de cidadania. Impõe-se uma grande reflexão sobre o lugar do homem na Natureza, sem medos pueris e pudores de encomenda, a realidade prestigiada...

Recolhido e sereno, no meu tugúrio octogenário, faço breve releitura do meu ensaio “Da Identidade Nua, Uma Perspectiva”, 2021, Ed. Amazon, buscando referências, pontos e contrapontos. E ressalto palavras da introdução: Em “Hamlet”, William Shakespeare nos ilumina que ser ou não ser é a questão, e que a morte é um reino do qual viajante algum jamais retornou... Enquanto o chamado “niilismo”, descrença dita absoluta, afirma que o nada está no fundo de tudo que é considerado ser, nós confrontamos, no dia a dia, uma realidade objetiva a nos exigir, talvez, uma forma de percepção mais nítida, quem sabe, através de um olhar mais claro, mais natural, mais distante de meras propostas convenientes. Mostra-se importante, fundamental, situar, definir, identificar, balizar, a nossa individualidade, a nossa personalidade, as nossas reais características como espécie animal, viva, parte da vasta biodiversidade do planeta Terra, a nossa casa no mundo... Sabemos que, na Natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma, e que, a rigor, não há extermínios. Então, em vez de generalizações afoitas, enfatizemos a razão, o conhecimento, a Ciência com maiúscula, a História, os fatos comprovados, a grande Verdade Nua, no dizer de Luz del Fuego, pioneira do Nudismo-Naturismo do Brasil... Recordemos, de passagem, que os ciclos da vida sucedem-se no tempo, eternos na impermanência, sempre através de transformações, mutações, adaptações, e seleção natural, como comprovou Sir Charles Darwin, e como a moderna Biologia atesta. Mas a Biologia não é uma ciência exata como a Matemática, assim como a Medicina, é bom lembrar. Nem tudo é soma, (2 + 2 = 4), e não há certezas absolutas... Assim, “ecologismo”, ou “ambientalismo”, não é ciência, não é Ecologia; “gestor ambiental” não é necessariamente um “ecologista”, e, se não há raças humanas (“raça” é uma invenção), então não deve haver “cota racial”, o que, em última análise, legitima o racismo, mas apenas “cota social”, uma medida justa, racional, científica... Separemos o joio do trigo!...

O bicho-homem, primata paradoxal, com urgência precisa reinventar-se, mudar o foco, deixar de tentar usar a Natureza como um objeto, como um supermercado, à disposição desde que se pague bem... A integração entre homem e natureza é fundamental, essencial, irrecorrível! E a prática nudista-naturista, como meio e método, pode ser fator construtivo, elemento precioso de conduta.

Recordo o que está escrito no meu livro “Da Identidade Nua, Uma Perspectiva”, enquanto aguardo a edição do meu novo texto, em fase de digitação e de revisão, uma pequena coletânea de artigos e de ensaios, dedicada aos interessados em questões culturais, literárias... No texto referido, sobre nossa identidade nua, destaco o que foi escrito entre as páginas 172 e 180, por exemplo, falando de códigos, conceitos, definições e fundamentos nudistas-naturistas, uma filosofia de vida precisamente baseada na comunhão entre homem e natureza, uma integração natural, sem vestes. Então, relembro que é feito um registro do chamado “Decálogo Naturista”, código de ética, matéria produzida pelo saudoso amigo Sérgio de Oliveira e por mim, Paulo, para a FBrN – Federação Brasileira de Naturismo. Em resumo, está anotado que a nudez deve ser solução e não um problema; a nudez é um dado primeiro como afirma a mestra Muraro, e como elegeu o pioneiro Richard Ungewitter em “Die Nacktheit” (“A Nudez”), 1905, um documento histórico-filosófico precioso. Nessa crise de identidade que vivemos, é oportuno reproduzir, aqui e agora, a definição oficial, 1974, de Naturismo...

– “Naturism is a way of life in harmony with nature, characterised by the practice of comunal nudity, with the intention of encouraging self-respect, respect for others, and for the environment”...

Harmonia com a Natureza caracterizada pela prática da nudez coletiva (Nudismo Social Moderno), visando o autorrespeito e o respeito pelo diferente... Naturismo sem Nudismo é disparate, não tem sentido... E a Federação Internacional registra ainda, para um possível melhor entendimento, uma definição conceitual, a seguir: “Naturism-Nudism is a variety of ways of recreation and relaxation, in nudity, associated with a recourse to natural agents with regards to health, environment and mental balance of the human individual”... Então, recreação e relax, em total nudez, visando saúde físico-mental do indivíduo e integração à natureza, ao meio ambiente... É tão difícil assim de entender, de aceitar, de adotar? Fica bem claro que, ao defender a História, a Ciência, ninguém está inventando nada, preferindo isso ou aquilo, pensando diferente, escolhendo palavras... Os termos “nudismo” e “naturismo” não são uma antinomia, uma contradição! Naturismo e Nudismo, estão, pois, unidos, historicamente equivalentes, fundamentais, a nudez como característica básica da prática do Movimento, desde Ungewitter!... Integração e não invencionice!... Precisamos assumir a nossa identidade nua e crua, sem medos ou falsos pudores, enfatizemos. A Natureza soberana não pede julgamentos!...

No texto de “Da Identidade Nua”, faço um registro de uma matéria de autoria de Martha Medeiros publicada na “Revista O Globo”, em 15/11/2009. Martha comenta: “Como sempre, nosso bem-estar emocional é alcançado com soluções simples, mas poucos levam isso a sério, já que a simplicidade nunca teve muito cartaz entre os que apreciam uma complicaçãozinha”... Tem, de fato, gente complicada, tacanha, que vive apostando no conflito, na fragmentação, gente que promove a polêmica gratuita, a discussão de pormenores, só para ganhar a discussão, sempre o velho questionamento vazio, inoportuno, o protagonismo barato, uma enfermidade. Em 24/11/2009, Arnaldo Jabor escreve sobre o prazer da burrice: “O bom asno é bem-vindo, o inteligente é olhado de esguelha. Na burrice, não há dúvidas... A burrice não tem fraturas. A burrice é a ignorância com fome de sentido”... Palavras fortes, verdadeiras, premonitórias... A humanidade em crise: faltam atitudes, identidade, verdade nua! É preciso parar de fantasiar, de delirar, de inventar. Necessitamos, como nunca, de bom senso, de referência científica, de rever nosso modelo de humanidade.

A velha arrogância humana, a louca preguiça de ler, de buscar a verdade, tem levado o bicho-homem, primata paradoxal, ao desastre existencial, talvez à sua própria inviabilidade a curto, médio ou longo prazos, não importa muito, uma insanidade sem preço.

É pertinente, e oportuno, salientar que, como diz o autor francês Gilbert Varet, a nudez humana é um direito natural, nosso traje de nascença, e a prática naturista, o nudismo social moderno, um meio importante de integração entre homem e natureza... A maior poluição, então, seria a que ocorre no íntimo do ser humano, corpo e mente, como acrescenta Varet. O bicho-homem é, afinal, a parte, e a natureza o todo, reafirmemos. É a mãe-natureza que nos dá a vida, como fonte da existência, que nos sustenta, que nos dá a nossa identidade física e no planeta. E o homem, por sua vez, afirma-se por suas atitudes, por suas ações, consciente de seu lugar na biodiversidade da Terra, eis a questão. Não há espaço nobre para quaisquer fragmentações, quaisquer artificialismos mal concebidos, que neguem a essência da vida. Natureza, Verdade, Identidade!...

Anexo: Bibliografia recomendada:

1) “The Nakedness” (“Die Nacktheit”), de R. Ungewitter;

2) “A Verdade Nua”, de Luz del Fuego, 1950;

3) “Le Nudisme”, de Jean Deste, 1961;

4) “The Nudist Idea”, de Cec Cinder, Ultra-Violet Press;

5) “Da Identidade Nua, Uma Perspectiva”, de Paulo Pereira, 2021, Amazon;

6) “As Nature Intended”, de Adam Clapham e Robin Constable, 1986;

7) “L'Epanouissement, La Santé et la Forme pour le Naturisme”, de Gilbert Varet, 1989.

Nota: Bibliografia com atestada referência histórico-filosófica, fatos documentados e argumentos científicos, exemplificados, além de coerência autoral, palavra e atitude, obras publicadas, um perfil de inteligente integração homem-natureza. Sempre conhecimento e reflexão. Como nos diz Varet, “o Naturismo é algo simples como a própria nudez, mas é preciso estar bem atento porque a prática naturista está sujeita a falsificações, mal-entendidos”... Nudismo-Naturismo não é ainda, moda, despudor, mas filosofia de vida, meio e método, enfatizemos, de integração natural, a vida no planeta Terra percebida na sua essência, “uma história natural”, como sabiamente coloca o naturalista David Attenborough em sua obra clássica, 1979, sob o título de “Life on Earth, A Natural History”, Ed. William Collins Sons, London.

O exercício Nudista-Naturista pressupõe identidade e atitude, simplicidade e naturalidade, conhecimento e reflexão, sem mitos vazios, sem pós-verdades, sem narrativas mercantilistas, sem ideologias mofadas.

A correta prática nudista-naturista torna-se efetivamente a liturgia da Natureza, o ritual concreto da preciosa comunhão homem-natureza, uma vivência integrada, sem vestes. O mundo está mudando rapidamente e a humanidade precisa saber renovar-se, sem radicalismos. Quando ocorrem exageros ou distorções, sobretudo, é mister buscar o bom conhecimento, a referência histórico-filosófica, afastando desconstruções. O cenário global mostra contradições nefastas, pontuando pudicícia medieval de um lado e libertinagem de outro, o que afeta o Movimento frontalmente, até promovendo inviabilidades a curto e médio prazos, muitas vezes sem retorno. A prática nudista-naturista, já centenária, exige uma atitude firme de suas lideranças internacionais, evitando descaminhos piores. Precisamos de mais conhecimento e bom senso em vez de insanidades no corpo e na mente, certamente enquanto é tempo!...

PS: O consagrado escritor Cec Cinder, autor de “The Nudist Idea”, afirma que “o livro de R. Ungewitter, intitulado “Die Nacktheit” (“A Nudez”) é de fato o Velho Testamento do Nudismo, o texto básico do Nudismo Social Moderno, até porque o nudismo, por si mesmo, eventual, é tão antigo quanto o Cristianismo, mas até o início do século XX (Era Moderna), nunca houve vestígio de qualquer prática nudista grupal, social, incluindo os dois sexos”... Isso é História!... Identidade e atitude, afinal.

(enviado em 26/09/21 por Paulo Pereira )


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Jornal OLHO NU - edição 251 - Outubro de 2021


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