"O egoísmo dos naturistas"

por Cleber Ferreira*

Naturistas podem ser considerados egoístas, já que pensam apenas no próprio umbigo, quando defendem a ideia de um mundo sem roupas? Se essa ideia utópica vingasse não seria o fim das indústrias têxteis provocando desemprego em massa?

Certa vez, não lembro onde, escutei (ou li) alguém falando: os naturistas são todos egoístas, pois não pensam nos milhões de pessoas que ficarão desempregadas e passarão fome se todo mundo deixar de usar roupa. Naquele momento essa frase me bateu em cheio. Senti-me mal e com um peso na consciência. Afinal, eu não queria ser o culpado pela demissão de quem quer que fosse, muito menos por fazer alguém passar fome. Na hora eu não refleti criticamente a respeito daquela afirmação, apenas a senti e a guardei comigo.

À medida que o tempo foi passando, talvez pelo incômodo que me ficou, voltei a pensar nessa afirmação por várias vezes e, aos poucos, fui percebendo significados e intenções que no primeiro momento não me ocorreram, mas que agora eu começava a conseguir inferir. A primeira coisa que percebi foi que essa frase, que naquele primeiro momento chegou a mim como uma preocupação e um lamento de alguém que estava verdadeiramente preocupado com o bem-estar das pessoas, da forma como foi feita, tinha também um objetivo claro de transmitir como verdade a mensagem equivocada de que o naturismo é algo ruim, um vilão que está disposto, a qualquer custo, fazer as pessoas sofrerem pelo seu bel-prazer, pelo seu puro egoísmo. Assim, ficou-me claro (o que para muitos é bem óbvio) que a ordem e a forma com que uma frase é montada pode servir a determinada intencionalidade que muitas vezes o ouvinte (e possivelmente o próprio emissor) não percebe de primeira. Isso porque elas têm a capacidade de nos afetar emocionalmente antes mesmo de acionar o nosso raciocínio lógico e a sua capacidade de verificar a veracidade (ou mesmo a viabilidade) das informações. De modo que, elas podem, por exemplo, ser construídas para incitar emoções específicas no interlocutor, uma vez que o discurso, para além da informação lógica, também tem essa capacidade de tocar o medo, a empatia, as crenças, a fé e os dogmas do ouvinte, desencadeando assim sentimentos e emoções que muitas vezes podem fugir à lógica (não é à toa que esse é um dos mecanismos frequentemente utilizados para manipular e manobrar a opinião popular). Em resumo: dei-me conta de que estava diante de um argumento manipulador e de caráter duvidoso.

Agora, deixando de lado a análise do discurso, quero refletir sobre outros aspectos que me surgiram a partir da afirmação em questão. Mas, para isso, precisamos antes relembrar de algo que nos dias de hoje está cada vez mais confuso e por vezes contraditório: os produtos, inicialmente, surgiram para satisfazer às nossas necessidades e não o contrário. Um exemplo simples: inicialmente não tínhamos uma faca e depois, por termos a faca, criamos para ela a necessidade de cortar as coisas. Se a roupa, inicialmente, surgiu para suprir uma necessidade específica da humanidade (afinal, não somos escravos dela!?), então por que naquela frase essa ordem natural das coisas parece estar em parte invertida? Foi acidental? A quem interessaria essa inversão? Aqui vale lembrar que esse jogo entre necessidade e produto não é novo e ele está na gênese da nossa sociedade capitalista, que a fim de nos induzir ao consumismo desenfreado cria cada vez mais produtos e, ao mesmo tempo, necessidades nas pessoas para comprarem esses produtos. Vamos a exemplos: como foi que determinadas pessoas descobriram a necessidade de ter uma Ferrari, um anel de brilhante ou um iPhone de ouro? Dá para problematizar bastante essa pergunta, tanto na defesa quanto na acusação, mas não irei me ater a ela. Deixo-a a seu critério.

Dito isto, agora podemos discutir uma outra questão que é manipulada naquela frase: a empatia. Foi ela que me levou a me sentir mal por imaginar ser o causador da demissão e da fome do outro. Mas o contraditório, e aqui vale apontar, é que a empatia por vezes é seletiva. Duvida? Então me responda: você passaria a comprar e consumir carne de cavalo só para que um determinado açougue não fechasse as portas e as pessoas que ali trabalhassem não fossem demitidas? (olha eu aqui usando o discurso para te provocar emoções) Mas continuemos: você compraria algum produto que não queira apenas para que as fábricas desses produtos não fechem? Provavelmente não. Isso porque, quando as questões em análise implicam os nossos interesses pessoais, tendemos a sentir menos os efeitos da empatia. Agora, quando se trata do direito de outra pessoa que não nos prejudique em nada, aí sim sentimos com mais força a empatia, inclusive de forma tão intensa que chegamos a ficar indignados, revoltados, capazes até de atirarmos alguém na fogueira para fazermos justiça com as próprias mãos.

Um outro ponto importante também para se pensar, e de que talvez tenhamos perdido a noção, é o de que o sistema capitalista em que vivemos não se preocupa com o bem-estar da população. Tanto é que ninguém (espero eu) tem a crença de que permanecerá no seu emprego pela vida toda e que ao final irá se aposentar e viver em paz. Um vendedor de uma loja de roupas e um operador de produção em uma fábrica têxtil tem (espero eu) a plena convicção de que seu emprego não é estável e que ele pode ser demitido e ficar desempregado a qualquer momento, seja porque seu superior assim o quis, seja porque a empresa não conseguiu sobreviver à competição selvagem do mercado e fechou as portas. Isso já está bastante naturalizado na nossa sociedade atual, logo, condenar o naturismo por causar demissões é, no mínimo, hipocrisia.

Ainda sobre o desemprego, acho muito difícil, levando em conta o nosso histórico de crescimento, que o naturismo vá ser capaz de fechar uma loja de roupa sequer. Mas vamos fazer um exercício mental de que ele cresça e destrua toda a bilionária indústria da moda. Ainda assim, tendo como base que produtos servem a necessidades e, não mais havendo necessidades os produtos deixam de existir, cabe às pessoas impactadas, juntamente com a comunidade, criar novos empregos que satisfaçam às várias outras necessidades humanas. Para finalizar esse assunto (sem esgotá-lo), deixo a seguinte reflexão: é muito tênue a linha que distingue os bens materiais como fruto de alguém que vive uma vida saudável e próspera dos bens materiais que são fontes de dor, sofrimento, angústia e opressão de uma outra pessoa; bem como de alguém que tem como fonte dos seus bens materiais a dor, o sofrimento, a opressão e espoliação de seus irmãos humanos.

Por fim, concluo dizendo que eu trouxe aqui esta frase, não pelo seu potencial de destruir o naturismo (até pelo contrário, ela é tão ingênua que muitos até devem estar se questionando sobre a necessidade desse textão todo), mas sim para fazer-nos questionar sobre quantos discursos “ingênuos” como esses estão por aí despertando os preconceitos das pessoas e transformando injustamente o naturismo em um grande vilão. Ou melhor, para fazer-nos refletir sobre o que estamos fazendo para construir uma imagem real do naturismo que vivemos, acreditamos e defendemos.

*Cleber Ferreira tem 33 anos, é estudante de pós-graduação em Ensino de Humanidades e Linguagens, maranhense radicado no Distrito Federal há 21 anos. Dedica-se também ao projeto Ser Naturista (https://www.sernaturista.eco.br/), onde se esforça para contribuir com a divulgação e popularização do naturismo.

(enviado em 23/06/21 por Cleber Ferreira)

Que tema maravilhoso. O naturismo não elimina o uso de roupas. Apenas demonstra não ter a total necessidade delas. E demonstra não ter nenhum impecilio de ficar sem elas. De forma totalmente saudável e natural. Mas os pontos de vistas são pontos de vistas. E assim prosseguimos. Ao nosso denominador comum. O nosso bem estar maravilhoso vivendo o naturismo. Com roupas ou sem o uso delas. Preservando a vida consciente e o bem da natureza.

Saudações Naturistas. Abraços Naturistas.

Adonias de Lima
    Duque de Caxias - RJ

(enviado em 2/07/21 via whatsapp)


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Jornal OLHO NU - edição 248 - Julho de 2021


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