Nudez em público. Nudismo e feiura, pinto e mamas. Origem do pudor.

por Arthur Virmond de Lacerda Neto*
Abril de 2021

NUDEZ EM PÚBLICO

Img: Arquvo JON

Eventos como a Pedalada Pelada são polêmicas por causa da nudez em vias públicas, com esta na cidade do Rio de Janeiro em 2019.

"O corpo nada tem de indecoroso, em nenhuma de suas partes, masculino ou feminino. A nudez não deve ser motivo de vergonha nem de repressão. Corpo nu é corpo em estado natural e destituído de atavios. A polícia não deve deter quem se apresente nu em público, em razão da nudez."

Em 2014 lancei estas ideias, desenvolvidamente, em vários artigos em meu blogue, de que foram lidos:
1) Nudez e vergonha do corpo: por 16 mil pessoas em 2014, por 24 mil pessoas em 2016.
2) Nu na rua. Código Penal arcaico: de 2014 a 2016, por 5.000 pessoas.
3) Abricó, praia nudista, de 2014 a 2021, por 23.000 pessoas.

Após a divulgação de meus artigos pró-nudez natural e pela despornificação da nudez, em 2014, com miríades de leitores em 2016, surgiram nudistas em público em Curitiba, Araguaína, Patos de Minas, Lapa e Copacabana (ambas no Rio de Janeiro), Belo Horizonte, Lisboa, Porto Alegre (vários), Araraquara, Batatais, Senhor do Bonfim, Natal, Osório, Cuiabá, Chapecó, Araparica, Sidrolândia, Mossoró, Apuaí, Muqui, Lavras, João Pessoa, Salvador, Itaporanga, Jordanésia, Brusque, São Luís, Videira, Andradas, Florianópolis, São Bento, São Paulo, Juazeiro, Rio das Contas, Piancó, São Carlos, Eunápolis, Colídes, Várzea Grande, Ibaiti. Deixei de anotar 4 ocorrências, por distúrbio mental dos nudistas.

Os brasileiros ainda são pudicíssimos, na observação do nudista doméstico Reinaldo Gianecchini. Na Europa são comuníssimas praias nudistas; nos EUA há várias estâncias nudistas. A França e a Croácia recebem, cada qual, anualmente, milhão e meio de turistas nudistas; em várias universidades norte-americanas (Berkeley, Chicago e outras) realiza-se, anualmente, a corrida nudista, em que estudantes nus percorrem o campus e seus corredores.

Na Alemanha, o nudismo é tradicional há décadas, seja domesticamente, em família (o que inclui crianças), em grêmios e praias nudistas; há escolas nudistas, com aprovação oficial. Na Inglaterra também há grêmios e praias nudistas.

Goethe, Benjamin Franklin, Walt Whitmann, Nicolau II e outros, foram nudistas. Bertrand Russell afirmava a inocência da nudez e até a conveniência de filhos verem seus pais e irmãos nus, em situações espontâneas.

Adamismo é a corrente cristã nudista, existente desde os primórdios do cristianismo, exaltada por Pelágio e que perdura. Afinal, deus criou o corpo, porém não a roupa e o Paraíso era campo nudista.

A malícia está na tua mente, não no teu pinto (se és macho) nem nas tuas tetas ou na tua vagina (se tu és fêmea).

As nádegas e o torso masculino já foram despornificados há tempos, embora até os anos 1920 ou 30 sua exibição em praias fosse indecorosa. Nos anos 1920, nos EUA lançou-se a campanha pelo mamilo à mostra, em que grupo de vanguardeiros tomou a iniciativa ousada de cortar uma alça de camisetas regatas e expor um mamilo nas praias. Hoje, a mente tradicional no Brasil ainda sexualiza e estigmatiza as mamas, que na Europa, há dezenas de anos, são geralmente tratadas com naturalidade: é comuníssimo nas praias europeias as mulheres exporem-nas, o que deixa os brasileiros boquiabertos e os europeus indiferentes.

O pessoal jurídico deveria atentar no artigo 233 do Código Penal, combatê-lo e pugnar por sua revogação. Vide mais sobre isso em meu blogue: arthurlacerda.wordpress.com.

Toda praia deveria ser de nudez facultativa.

Nudismo e feiura, pinto e mamas.

Nas praias, as pessoas estão quase despidas, com sua feiura ou sua beldade; belas ou feias, encobrem-nas pequenos panos, destinados ao velamento das mamas e do pinto, partes tidas por inapresentáveis na moral “tradicional”.

No nudismo não se trata de expor a beldade ou de encobrir a feiura: a nudez é corpo sem encobrimentos e não corpo bonito sem encobrimentos.

Nas praias as pessoas querem usufruir do ambiente, sejam belas ou feias; no nudismo, querem usufruir do ambiente, da sensação de liberdade, da ausência de constrangimentos, sejam belas ou feias. Alguns preferem tapar as mamas e o pinto por serem alegadamente desgraciosos (mamas flácidas, pinto seja lá com que formato), como se a preocupação precípua consistisse em ocultar a pretendida feiura destas partes. Por este raciocínio, mamas e pintos formosos deveriam ser expostos para contemplação; pelo mesmo raciocínio, estendido a todo o corpo, somente beldades deveriam expor-se em praias e piscinas, e todo feio deveria manter-se encoberto. Assim, no limite, regrediríamos aos trajes de banho de cento anos e mais, em que se tapavam corpos do pescoço aos joelhos.

Conquanto haja corpos formosos e outros que não o são, tudo isto é tolice à luz do nudismo, em que a dicotomia beleza-feiúra constituem não-valores, pontos irrelevantes: constituem-lhe valores e pontos relevantes a ausência de vergonha, a ausência de estigmatização de partes do corpo, a desnecessidade de encobri-las, a sensação de liberdade.

A vergonha da nudez tem matriz teológica, cristã, de nudez como pecado ou indecência, e matriz estética, que torna inibidoras certas formas, destoantes dos padrões de beleza consagrados. No nudismo, a nudez está livre de constrangimentos devidos a esses tipos de juízos; daí porque chamar-se cultura do corpo livre ao nudismo: livre de conceitos artificiais e que podemos vantajosamente abandonar.

Quando alguém pondera ser "melhor" tapar a feiura, formula juízo estético de reprovação de corpo que julga feio e considera que os outros devem velar seus corpos porque o julgador não gosta de ver o corpo deles, ao passo que o critério nudista é: "Bonito ou feio, estou bem com meu corpo, de que me não envergonho nem julgo ser constrangedora a feiúra. Bonito ou feio, quero usufruir de liberdade e de naturalidade, sem me ater aos juízos estéticos alheios. Os outros, que se atêm a tais juízos, que se tapem, se quiserem. Nós, nudistas, não ligamos à beleza nem à feiura mas à naturalidade e à ausência de constrangimentos. Nós, nudistas, não nos envergonhamos das partes do corpo e chamamos pênis, pênis, mamas, mamas, vagina, vagina, sem metáforas estigmatizadoras e sucedâneos linguísticos (como “bananas” e “melões”), aplicados notadamente para dissimular o nome do pinto (ou falo ou pênis).

Pinto tem nome; mamas têm nome; vagina tem nome: nem estes nomes nem estas partes nos envergonham.

Ademais, pinto, vagina, mamas, não nos são partes importantíssimas, como para muitos encobridores; são apenas partes do corpo, como quaisquer outras. Pensar que são diferentes, que são sexuais, é típico da mentalidade pudica-cristã-sexualizadora. Aliás, são mais sexuais os olhos que veem, as mãos que tateiam e a boca que lambe e chupa: pelo critério da sexualização dos encobridores-pudicos, era melhor eles andarem de olhos vendados, mãos enluvadas e boca amordaçada, porém não os nudistas, que priorizam a naturalidade e a liberdade, e reservam a sexualidade para os momentos próprios.

Para os pudicos, a moralidade e a decência radicam em ocultar o pinto, o bico das mamas, a vagina; para os nudistas, elas acham-se em nossa relação de respeito para com o próximo e com o ambiente.

O nudismo também é familiar e doméstico; pratica-se nudez em família, o que contribui para a formação de crianças e adultos saudáveis, livres de vergonhas artificiais e de preconceitos tolos.

No Brasil, muitos desconfiam do nudismo ou resistem-lhe. Como dizia Alberto Einstein, é mais fácil desfazer um átomo do que um preconceito".

ORIGEM DO PUDOR

A demonização está no ideário religioso (cristão). Do ano 1000 aproximadamente até 1535 e pouco mais, a nudez era natural na Europa, em que se dormia nu, e todos no mesmo quarto. As crianças viam, com naturalidade, o pinto de seus pai e irmãos, as tetas das mulheres, a bunda, os pelos.

O concílio de Trento, na primeira metade do séc. XVI, reunido para combater o protestantismo, elegeu dois inimigos: o protestantismo e a nudez, que passaram a ser rigidamente reprimidas. Daí o inculcamento do pudor, da vergonha do corpo, de ser visto nu, especialmente as partes que, na lenda de Adão e Eva, ambos teriam tapado. Daí a arquitetura em que "cada um tem seu quarto" (ideal de toda família moderna) e o traje de banho de praias, em que cento anos e tal atrás, encobriam do pescoço aos joelhos, homens e mulheres. Gradualmente, contudo, ele foi se reduzindo e a pouco e pouco e pouco mais extensas porções dos corpos foram se expondo. Hoje, remanescem inapresentáveis o bico das mamas e o pinto.

O princípio moral do pudor incidiu principalmente nas mulheres, cuja obrigação de tapar o corpo era mais exigente do que nos homens: vestidos compridos, de mangas compridas, talares (até aos joelhos). Tempo houve em que as mulheres banhavam-se no mar de saias compridas, meias compridas, mangas compridas, torso encoberto. Nos anos 1920 era motivo de dúvida no quente Brasil se seria pecaminoso ou não as mulheres absterem-se de meias-calças em público e de assistirem a missas sem meias.

A origem da doutrina pudica está em dada interpretação da cena do pecado original: posto que Adão e Eva taparam-se, então, deve-se encobrir o que eles encobriram; esta interpretação é uma dentre outras e foi a que prevaleceu. Segundo a corrente adamita, deus criou a nudez, o Paraíso era campo nudista; logo, a nudez foi desejada por deus, está-lhe nos planos. Isaías profetizou por três anos em nudez completa e Pedro nu apresentou-se a Jesus, que não se pejou de vê-lo assim nem o próprio de apresentar-se-lhe em pelo. Jesus não censurou a nudez; no momento de sua detenção achava-se acompanhado, em recesso íntimo, de rapaz nu.

A interpretação pudica não era originariamente cristã, mas proveio das crenças pagãs, asiáticas, bárbaras: na Ásia menor era ponto de honra encobrir-se o corpo o mais possível, ao reverso do que se passava na Grécia, em que a nudez era normal nos atletas e nas olimpíadas. Os deuses gregos eram representados em nudez integral, na estatuária e na pintura.

Ao mesmo tempo, a obrigação de encobrir-se e o desencobrimento como pecado serviu e serve como motivo de culpa do pecador. Toda culpa é instrumento de condicionamento no cristianismo, de que o padre liberta, mediante a sujeição do pecador. Na verdade, cultivar o pudor é forma de sujeitar o cristão, semelhantemente ao “pecado” do "homossexualismo".

O corolário imediato do pudor é a malícia, sentimento ou entendimento que sexualiza as mamas, a vagina, o falo. Ela existe onde existe encobrimento do corpo e em relação precisamente ao que se encobre. Encobrir é sexualizar; destapar é dessexualizar, motivo por que pensa mais em sexo o pudico do que o nudista: para este, nudez é nudez, ao passo que para aquele, nudez é sexo.

No Brasil, desde 1549, com a expedição de Tomé de Sousa, vieram jesuítas, cuja preocupações incluíam vestir os índios, cujo modo de ser, neste aspecto, não prevaleceu, apesar de sua presença e do clima quente do Brasil. Ao contrário, é espantoso que prevalecessem trajes europeus (sobrecasacas até abaixo dos joelhos), paletós, coletes, gonilhas, chapéus, fraques, tudo muito enroupado e abafado. Aligeirou-se o vestuário de uso externo, público, da introdução dos grupos de regata no Rio de Janeiro, em 1900/1905 por diante: graças a eles é que as pessoas perceberam o conforto de estarem menos cobertas. Em casa, usualmente estava-se semi-nu, de cuecas, calcinhas, estrófio.(sutiã).

Há relatos de que nas fazendas brasileiras, nos séculos XVIII e XIX, as pessoas calçavam tamancos, vestiam somente calças de algodão leves, as mulheres expunham o tórax, com mamas ao vento, porém portas-afora carregavam no vestuário.

Na fria e conservadora Curitiba, um turista foi vaiado por apresentar-se de calções ("bermudas") na av. Luís Xavier (centro da cidade), nos anos 1970 ou 1980. Somente cerca de 1980 principiou a haver transeuntes de calções e chinelos no centro de Curitiba.

São feios nus os corpos feios, são nus bonitos os corpos bonitos. Por mais que vestidos e nudistas formulem juízos estéticos, no nudismo é irrelevante a estética e sim a ética: dissociação entre nudez e sexualidade, entre nudez e indecorosidade, entre nudez e julgamentos estéticos, associação de nudez com naturalidade, com inocência, com liberdade. Eis porque na Alemanha, Áustria, Inglaterra e não somente, o nudismo chama-se cultura do corpo livre: livre de tabus, de preconceitos, de padrões estéticos que levam as pessoas a julgarem-se inferiores ou superiores.

Livros sobre nudez e pudor: História do Pudor, de João Paulo [Jean Paul] Bologne; Corpos nus, de Paulo Pereira; Verdades que as roupas escondem, de Evandro Telles.

(reenviado em 18/04/21 por Arthur de Lacerda)


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Jornal OLHO NU - edição 246 - Maio de 2021


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