') popwin.document.close() }

Jornal Olho nu - edição N°213 - Agosto de 2018 - Ano XIX

Anuncie aqui

Corpus Nus – 1a edição (1997)

– Uma Releitura

Paulo Pereira

Agosto/ 2018

 

Capa da 1ª edição do livro "Corpos nus" (1997)

Consulto meu arquivo dito implacável, meus alfarrábios históricos, para efetuar uma atenta e breve releitura de “Corpus Nus”, primeira edição (1997) registro n° 139.983, E.D.A., Ministério da Cultura, na firme convicção de ser mais uma vez útil aos estudiosos do complexo comportamento humano, sobretudo, da história documentada do Nudismo-Naturismo, desde o pioneiro Richard Ungewitter. A capa dessa edição modesta, com fundo azul e letras negras, exibe uma ilustração, simples e sugestiva, da autoria da Dra. Elizabeth B.P. Silva, minha filha, uma obra que merece consideração. Essa primeira edição de “Corpos Nus” foi especialmente dirigida aos amigos e companheirismo nudistas-naturistas de sempre, gente corajosa, que lutou bravamente pela afirmação e desenvolvimento do Movimento, mesmo durante os anos bicudos e trágicos do regime militar de sessenta e quatro.

 

O texto do livro é rigorosamente conciso, alcançando o total de apenas 116 páginas, com algumas ilustrações e fotos reproduzidas, dedicado ao irmão índio, ao Tuxaua Guerreiro, símbolo da natureza nua. Já no pequeno prefácio, anoto algumas poucas considerações importantes, salientando a questão do meu não compromisso prévio com ninguém, até porque, nesse longo tempo de militância nudista-naturista, jamais fiz da prática naturista um simples negócio ou pretexto para buscar notoriedade, lucros, poder pessoal ou de qualquer grupo interessado, e muito menos um protagonismo inconsequente, pueril. O nudismo-naturismo, desde minha adolescência, tem sido para mim uma vivência superlativa, uma comunhão apaixonada com a mãe natureza indomável, uma forma de integração com as verdades nuas da vida.

 

Capa da 2ª edição do livro "Corpos nus" (2000)

Ainda no prefácio do livro, coloquei a proposta de uma reflexão sobre a percepção da maioria vestida a respeito da nudez, um assunto mal conhecido por muitos, que transformam a nudez em problema, em tabu persistente e irracional. E encerrei o prefácio escrevendo: “Espero firmemente, para aflição dos fariseus de plantão, poder dar minha contribuição efetiva e verdadeira para um melhor entendimento das nossas realidades naturais e que, ao enxergar os corpos nus, possamos todos ver sempre o supremo equilíbrio da vida maior”...

 

Essa edição pioneira de “Corpus Nus”, 1997, era composta de cinco capítulos, a saber: “O Problema da Nudez e o Homem Natural”, “Contraponto”, “Naturismo Mundial”, “O Naturismo no Brasil” e “Depoimentos”. Desde o início, nos meus textos, sempre procurei priorizar o enfoque da boa reflexão, das teses afirmadas, impessoais, dando vez, inclusive, à reprodução de depoimentos de outros autores ou pessoas idôneas, buscando sínteses inteligentes. Infelizmente, para muitos deslumbrados, o nu continua sendo uma espécie de terror, de ameaça, o que pede explicações especializadas.

 

Quem tem medo do corpo nu?... Essa indagação remete meu pensamento, de passagem, ao programa de televisão “Sem Censura”, dezembro de 1994, quando fui entrevistado. A maioria dos presentes não se preocupou diretamente com o tema da entrevista, a questão da presença de pessoas nuas na praia do Grumari/ Abricó, mas sim com nudez como algo exótico e indecente, um espanto irracional, chegando mesmo a ser colocada a expressão “nu no elevador”, além de “defensiva”, de “impulso”, todos os cacoetes, por certo, disparados pelo folclórico comentarista esportivo Sergio Noronha, preocupado em contradizer sem entender... Em suma, estava claro o preconceito, o desconforto diante da nudez humana, algo lamentável no final do século vinte, quase início do século vinte e um, com certeza. Por isso, era importante a edição de “Corpus Nus”, em 1997, numa época de improvisos meio desarticulados, que se seguiram à ditadura militar, em vários setores de atividades no Brasil.

 

(o vídeo abaixo é a participação de Paulo Pereira no programa Sem Censura - a qualidade técnica da gravação está muito ruim, com o som bem baixo, mas vale como registro)

 

A ideia descabida de “terra arrasada”, de “trono vazio”, de considerar a prática nudista-naturista uma simples “onda” ou “moda”, quando alguns chegaram a falar em uma hipotética “diáspora” após a morte de Luz del Fuego, uma heresia conveniente, pedia uma resposta lúcida, como prestígio da historicidade, da verdade dos fatos, procurando serenamente um equilíbrio duradouro, um contraponto eficaz, em face de propostas afoitas, que revelavam um oportunismo destrutivo para o Movimento. O século XX, que assistira ao nascimento do Nudismo-Naturismo, desde os primeiros anos, desde Ungewitter pelo menos, não merecia uma distorção desconstrutiva, que colocava a nudez como acessória, como vício, como extravagância ou mesmo como uma “onda”... Escrever modestamente “Corpus Nus” era um dever de consciência, um tributo humilde, que tentei prestar aos grandes pioneiros, que lutaram muito nos anos trevosos, para não deixar a prática cair, para não apequenar a prática centenária do nudismo-naturismo, prática que, no Brasil, já era afirmada desde 1949, eis a questão.

 

Contra-Capa da 2ª edição do livro "Corpos nus" (2000)

No capítulo primeiro do livro, procurei mostrar, em poucas palavras, que a nudez não é nem nunca foi um problema, mas nossa identidade natural. É, pois, uma verdadeira enfermidade tentar ignorar a nudez humana, repudiá-la, inventar eufemismos para não falar em nudismo. Não se trata de opinião, mas de conhecimento, de verdade histórica, científica. Toda a minha sumária argumentação no livro estende-se através de poucas páginas, até a de número 29, quando inicio o segundo capítulo, que é intitulado de “Contraponto”, com o seguinte parágrafo: “Falei da nudez, que é vista por muitos como problema. O fato é que existe, muitas vezes, um alto custo a ser pago por parte de quem ousa adotar o nu como verdade, como filosofia de vida.

 

Infelizmente, às portas do novo milênio, a censura social continua atuante, premeditada. O nu é ironizado”... Mas pior ainda é que, vinte e um anos mais tarde, em 2018, persiste a aflição do nu!... Relembro, então, o citado escritor Javier Marias, diante dessa situação, que o tempo ainda não esclareceu por inteiro, quando muitos tentam, fabricando utopias, fazer do nudismo-naturismo uma louca antinomia, inventando um naturismo vazio, sem nudismo. Disse, pois, Javier Marias: “É fantástico. O que está acontecendo ao mundo? Por que se apoderaram deles os imbecis? Por que se aceita discutir cretinices? Ortega Y Gasset dizia que os imbecis são muito mais perigosos do que os malvados. Afinal de contas, sempre se tratou disso: acabar com qualquer forma espontânea de vida, de reprimir os desejos e de atormentar o próximo”...

 

Sem subscrever literalmente as palavras de outros autores, o que proponho é a realização de uma ampla reflexão à respeito. E, justamente por isso, repito, esforcei-me por escrever “Corpus Nus”, com três edições, desde 1997. No capítulo chamado de “Contraponto”, salientei a importância de bem viver, de viver simplesmente, naturalmente. Viver naturalmente é viver integralmente, sem perder as essências através de tantos artifícios. Escrevi “Corpos Nus” precisamente como um decidido contraponto a tantas tolices, a tantos descaminhos, a tanto tempo perdido em elucubrações insanas e pudicas.

 

Pantera Negra/ Símbolo da Biodiversidade. Ilustração de Elizabeth B. P. da Silva

Ao dizer tudo isso, sem precisar justificar-me, recordo palavras de Carlos Heitor Cony e de Heloisa Seixas, cronistas sempre inspirados. Cony dizia que “o escritor é sempre contra o homem”... É preciso, afinal, parar de escrever tanto para viver mais, quem sabe. Há tempos, parei de escrever a coluna “Naturalmente”, dei um tempo, mas não desisti do que tinha escrito, nem do título da coluna, que me pertence como meu pensamento expresso e anotado. Quando durmo, não desisto de viver... Mas Heloisa Seixas, muito sábia, observa, concordando com Cony, que “escrever e viver de certa forma se contrapõem”... E acrescenta: “Escoamos para o papel a água que é excessiva, que nos encharca”...

 

Em 1997, eu andava encharcado de águas históricas, que ameaçavam extravasar. Mas tentei ser sempre sucinto para não me perder em alagamentos, embora a sujeira fosse avassaladora, pedindo enxurradas... Os príncipes dos clichês afirmam, pobres de águas criativa, que o papel aceita tudo, mas esquecem que o tempo expurga as inverdades e faz o papel de incorporar a cor do engano, do inútil, do falso. Em “Contraponto”, segundo capítulo de “Corpos Nus”, focalizei de forma tranquila, desarmada, a cansativa questão da hipotética distinção entre os termos “nudismo” e “naturismo”, discussão desarrazoada, sobretudo, que já focalizei pormenorizadamente, inclusive em “Da Identidade Nua”, 2015, Jornal Olho Nu. Anotemos novamente.

 

Salientei igualmente algumas confusões observadas entre Naturismo e Ecologia, entre “hippies” e ecologistas, ou ambientalistas... De fato, admitamos, o Brasil às vezes assume ares surreais, bizarros... O texto de “Contraponto” é diversificado, propositivo, páginas 29 a 42, encerrando-se com a boa advertência: “Não convém ao Naturismo ser visto como onda. As ondas passam”...

 

O terceiro capítulo, “Naturismo Mundial”, é sumário, um registro histórico sereno e um convite à pesquisa do leitor dedicado. O capítulo quarto, “O Naturismo no Brasil”, parte essencial do trabalho de então, é bem mais longo, esclarecendo questões básicas, entendimentos histórico-filosóficos relativos à prática nudista-naturista no Brasil, longe de distorções destrutivas. Desde a primeira edição, “Corpus Nus” reconhece plenamente os reais pioneiros do Movimento no Brasil, nas várias etapas distintas, um testemunho vivido em vez de mera narrativa subjetiva. Os fatos históricos comprovados são exaltados como os grandes protagonistas.

 

Menino Índio/ Natureza Nua. Ilustração de Elizabeth B. P. da Silva

Tendo tido o grande privilégio de ter vivido pessoalmente as várias fases do nudismo-naturismo no Brasil, desde 1949, tive igualmente responsabilidade de proclamar a verdade histórica modestamente, mas sem medo de ser feliz por isso, sem medo de escrever o que li, o que vi, o que vivi, o que aprendi durante tantos anos, desde minha adolescência, querendo somar, compartilhar. O Movimento não conhece nem registra de forma idônea nenhuma “pré-história”, nenhuma “diáspora, nenhuma “criação recente” relativamente ao nudismo-naturismo brasileiro, de forma clara, documentada. Registra de fato um rico processo histórico, desde 1949, com a ação pioneira de Dora Vivacqua, a Luz del Fuego, o que obviamente não diminui a importância de tantos outros líderes, nas várias etapas históricas.

 

Finalmente, o capítulo quinto de “Corpus Nus”, 1ª edição, está dedicado aos “Depoimentos”, reunindo breves textos selecionados, na intenção de alcançar melhor perspectiva e enriquecer a narrativa. Em outubro de 1997, eu escrevi o seguinte: “Reservei o último capítulo para depoimentos selecionados. Nos últimos quatro meses, consegui reunir uma grande quantidade de bom material sobre Naturismo, que passa a reforçar meu acervo, mas optei por escrever, sempre que possível, uma síntese rigorosa, evitando exageros possivelmente monótonos... Apresento, a seguir, pela ordem, as palavras de Pedro Ricardo, Sergio Bisaggio, Elizabeth B.P. da Silva e Sergio Oliveira. O meu depoimento, à guisa de posfácio, encerra o trabalho, na certeza de ter procurado o melhor e o verdadeiro”...

 

Distante de qualquer culto personalista, meu foco sempre foi plural, sem arrogâncias imaginárias, mas evidentemente com meu estilo de escrever, sem a preocupação doentia de agradar a todos ou de criar factoides convenientes tão em moda pelos quatro cantos do mundo. Em 1997, eu afirmei que Pedro Ricardo era uma grande e autêntica vocação naturista, e o tempo demonstrou que eu estava certo. Pedro sabe ver as verdades naturais e não costuma fazer concessões à mediocridade. Minha filha mais velha, Elizabeth, cirurgiã-dentista, é minha preciosa confidente, musa inspiradora, apaixonada pela natureza indomável, pelos ciganos sábios, pelos gatos enigmáticos. Sergio K. Oliveira é uma saudade confortadora. Sergio aprendeu a ver mais longe, a ler nas entrelinhas, a separar o joio do trigo, a distinguir a amizade e interesse barato. Sergio faz falta com sua diplomacia sagaz... E o médico erudito, Bisaggio revela talento de cronista, de historiador, de escritor libertário. Discípulo lúcido de Luz del Fuego, sem falsos pudores, sem pseudo saber, amigo dos guerreiros celtas... Sergio Bisaggio proclama: “Todas as pessoas, livres das barreiras físicas e psicológicas das roupas, sentem-se também mais livres espiritualmente. Parece-me que certas máscaras também tendem a cair”... De fato, ao escrever “Corpus Nus”, sempre esperei contribuir para essa queda de máscaras... O mundo é um grande baile de fantasias? Penso que não; espero que não, enquanto é tempo.
 

No meu depoimento, ao finalizar, lá estão o menino índio e a pantera negra, o homem todo natural e o símbolo da nossa biodiversidade preciosa. E Márcia Rego escreve: “Você acha mesmo que o índio anda pelado?... Observar o que determinada sociedade faz com seus corpos pode ser um caminho interessante para compreender certos aspectos da mesma sociedade”...

 

Então, por que o nudismo incomoda tanto? Por que o pretexto do eufemismo quando se quer ficar despido? Eu escrevi sobre os corpos nus e não sobre corpos mascarados, cobertos por panos, e pior: escondidos pela hipocrisia, pela pudicícia mofada e anticientífica!

 

“Corpos Nus”, 1a edição, é um marco pequenino, modesto, mas com a coragem de um guerreiro Kaiapó, sem qualquer bravata, a serviço dos colecionadores de saber e de naturalidade, de simplicidade nua. Em “Corpus Nus”, 2a edição, ano 2000, editora LeyMarie, capítulo sexto, faço um breve registro intitulado “Ecos da Primeira Edição”, no qual saliento tópicos significativos, sobretudo, colocações feitas por meus leitores ilustres, destacando-se referências sobre Jean Deste e sua obra consagrada “Le Nudisme”, além de minha carta histórica para a revista “Jóia”, 1968, e meu artigo pessoal para a revista alemã “Freies Leben”, 1966, sobre a icônica Ilha do Sol, Rio de Janeiro.
 

A releitura cuidadosa de “Corpus Nus”, primeira edição, obriga-me a recordar a segunda edição, em 2000, e a terceira edição, ampliada e atualizada, de 2006, uma contribuição que me orgulho serenamente de ter podido dar à causa nudista-naturista.

 

Em sua prosa poética, Heloísa Seixas nos alerta para a dura tarefa do escritor, que derrama nas páginas dos livros suas águas fecundas, transbordantes, talvez, acrescento, para não sofrer afogamentos... Mas o mais relevante talvez seja a tentativa renovada de tornar fértil o solo árido da ignorância, da superficialidade. Escrever “Corpus Nus”, em três edições, foi tarefa maior, esforço de sonhador libertário, de testemunha ocular de uma saga natural digna de exame isento.

 

Em tempo: Assim como preservamos os bons livro e artigos, que nos servem de referência, de reflexão, de contínuo aprendizado, também devemos dar especial atenção aos espaços e órgãos nudistas-naturistas, que pedem gestão contínua e competente. A boa ação não é um simples impulso; uma boa fala não é um disparate. Sir Francis Drake, há quinhentos anos, já dizia com toda sabedoria, que “há sempre um início de qualquer assunto, ou tarefa, de importância, mas a continuação até a consumação)(e a estabilidade) de tudo, só esta, produz a verdadeira glória”... Não basta iniciar, de forma afoita, e depois se perder. É preciso ter atitude e reafirmar, sem repetidos improvisos ou sofismas, os princípios teóricos e os objetivos práticos daquilo que se pretende edificar. Quando focalizamos, por exemplo, o chamado “pensamento nu”, a real história nudista-naturista, é indispensável a busca da melhor perspectiva, a historicidade afirmada, publicada, com linguagem acadêmica. O Nudismo-Naturismo não é propriedade particular de ninguém e nunca foi simplesmente criado, inventado, num passe de mágica ou num expediente falso, por algum aventureiro. A preguiça de ler, de estudar, de pesquisar fontes idôneas, conduz ao equívoco desastroso, à distorção criminosa e ridícula dos fatos anotados.

 

Como comentei no ensaio publicado em 2015, “Da Identidade Nua” (páginas 65, 66), é mister assinalar que várias formas de violência colocam-se em oposição à liberdade nua. A dureza direta e fria da realidade cotidiana, por exemplo, algumas vezes inviabiliza as crenças frágeis, mesmo revestidas de pretensas certezas absolutas, de alguns sonhadores incautos que, desapontados, como explica E. Fromm, negam a liberdade verdadeira, e mergulham num fatalismo mal concebido, repleto de evidências óbvias, eventuais, desassociadas de bases evolutivas, partindo, então, para desconstruir os símbolos e as verdades históricas em pauta, além dos indivíduos que sejam julgados obstáculos à sua ação de pretensa renovação e desenvolvimento. As três edições de “Corpus Nus”, 1997, 2000 e 2006, são, sobretudo, propostas enfáticas de um diálogo maior, de uma ampla reflexão, de um exame acadêmico dos fatos históricos, sem esquecer a grande luta pela liberdade nua, sempre longe das meras subjetividades e das narrativas oportunistas.

 

A natureza, recordemos, não é boa nem má, como afirma corretamente o biólogo Richard Dawkins; a natureza é indiferente. O homem precisa aprender a bastar-se! Os sofismas e as violências mancham os rastros humanos. Lembremos que, a serviço da inverdade, da vida artificial, imprópria, a violência se realiza... É hora de refletir, de estudar, de eleger o bom conhecimento, inclusive através das releituras de textos propositivos, respaldados.

 

(enviado em 24/07/18 por Paulo Pereira)


Olho nu - Copyright© 2000 / 2018
Todos os direitos reservados.