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Jornal Olho nu - edição N°202 - Setembro de 2017 - Ano XVIII

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Prosa Mínima (2)

por Paulo Pereira*

 

Na manhã nublada e fria de inverno, chego, anônimo, à minha velha Grumari/ Abricó, que se mostra deserta, acolhendo-me, cúmplice e sedutora, na revisita não programada. E, então, me descubro envolto em doces enlevos, sobretudo, going into raptures... De fato, muito tempo se passou; são longos anos idos, que imprimem suas pequenas-grandes marcas em mim.

 

Chego à praia, calado, para tentar diminuir as doloridas saudades, embora eu continue afagando, por inevitável, os ditos gatos de Baudelaire, os persistentes spleens sem cura, os tédios da vida prosaica, da vida nua que não sabemos para onde vai, mas a vida não vai nem foi: a vida fica, a vida é, às vezes, talvez, transfigurada, quem sabe, como o sábio xamã no tigre bravio... E, quando caminho, em rico silêncio, pelas areias frias do Grumari, acariciando eventualmente as esparsas plantinhas rasteiras e raspando de leve as grandes pedras escuras à beira-mar, pedras testemunhas discretas de abandonos libertários e de muitos gozos sem censura, percebo, enfim, as preciosas ausências, que me assombram como insinuantes presenças sutis, indeléveis, fugidias, e, então, vivencio, reconfortado, a poesia iluminada e transcendente da notável Carol Duffy, poesia que parece inscrever-se fundamente nos meus pensamentos mais íntimos e vadios, recriando raptures, êxtases, recados meio etéreos, por certo escritos por mãos que já encontraram as minhas e me tocaram sem pudores, mãos que igualmente vislumbro desenhadas pela nuvem mágica, que vejo surgir, que caminha lentamente no céu do Grumari; afinal, mãos e lábios e corpos inteiros, que reencontro, arrebatado...

 

Then a cloud disclosing itself overhead

is your opening hands;

Then the sun’s soft bite on my face

is your mouth;

Then love comes, like a sudden flight of birds”...

 

Como me diz Carol, o amor vem como o súbito voo dos pássaros, e sinto que se perpetua em mim e nas areias da praia deserta, fazendo-me perceber as minhas presenças invisíveis, que denunciam todas as hipocrisias e me propiciam profundos diálogos com os fantasmas de mim mesmo.

 

 

(enviado em 8/08/17 por Paulo Pereira)


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