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Jornal Olho nu - edição N°199 - Junho de 2017 - Ano XVII |
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Íntima e Naturalmente
Paulo Pereira
Nesse começo de inverno, certamente com tardes e noites mais frescas, sobretudo, convidando a reflexões e releituras atentas, recordo, feliz, uma das longas conversas, que mantive com a minha velha amiga, a livreira Vana, criadora e entusiasta da famosa Livraria Leonardo Da Vinci, no Rio de Janeiro. Falamos, na ocasião, com ênfase, das hipocrisias e da sexualidade através dos tempos, como a história registra. Nesse bom papo, tivemos também a ilustre companhia do grande Moacyr Scliar, escritor afirmado, sempre com suas observações inteligentes. Eu, então, salientei, uma vez mais, a questão da natureza e da cultura humana, do natural e do convencional. Infelizmente, pouco tempo depois desse encontro, dessa conversa produtiva, Scliar nos deixou, e entrou para a história brilhante da nossa literatura.
O livro é uma
referência gostosa de ler, um forte argumento contra a
superficialidade reinante nas últimas décadas, aqui e no mundo, um
sopro forte de reflexão e de saber, que não se encontra facilmente,
especialmente sem o auxílio direto dos bons textos. Na introdução,
Mary afirma que vivemos o instantâneo, frequentemente tendo o
exibicionismo como motivação. Anotemos. Sexo e nudez, mesmo com toda a tecnologia, continuam sendo tabus em muitas esferas, sobretudo, porque a ignorância veste capas de virtude. Existe pecado na natureza?... Mary destaca que, especialmente entre os séculos XVI e XVIII, a noção de intimidade mostra-se distante da que percebemos nesse início do século XXI. Mary nos diz: “A vida quotidiana naquela época era regulada por leis imperativas. Fazer sexo, andar nu ou ter reações eróticas eram práticas que correspondiam a ritos estabelecidos pelo grupo no qual se estava inserido... Leis eram interiorizadas. E o sentimento de coletividade sobrepunha-se ao de individualidade”. Mas o individualismo, às vezes exacerbado, é a nossa marca de vida atual, de informação excessiva e pobre conhecimento, a palavra desconstruída a pretexto do progresso, a nudez vendida como produto de supermercado, a ciência banalizada, inclusive com a utilização de conceitos científicos como modismos, como comodismos verbais idiotas, globalizados, até mesmo nas mídias, em busca do lucro fácil, muitas vezes do impropriamente chamado de “correto”...
O natural é distorcido, deixando o dito “paraíso” inicial como lembrança vaga, até ridícula. A beleza dos corpos nus dos nossos índios, como relembra Mary, foi esquecida, guardada em baús mofados da história, como se os homens, primatas, fossem anjos vestidos. Os portugueses, chegando ao Brasil, em 1500, ressaltaram essa beleza índia: “Suas vergonhas tão nuas e com tanta inocência assim descobertas, que não havia nisso desvergonha alguma”...
De novo, o sentido
pleno da palavra “naturalmente”, relativa à natureza, ao natural, ao
que nos é inato, sem julgamentos! Mary nos faz pensar seriamente a
respeito de nossa identidade, de nossa verdade nua, como nos disse a
pioneira Luz del Fuego. Os colonizadores recém chegados encontraram
uma realidade viva, que não pode ser negada, menosprezada. Mary,
lúcida, comenta: “Eles encontraram povos que tinham outras noções
quanto à nudez, às funções corporais ou à sexualidade. Aos olhos dos
europeus, os “selvagens” não tinham sido ungidos pela Graça
Divina”... Mas os portugueses sentiram efetivamente o que Mary chama
de “cheiro do prazer”, quando nos fala, por exemplo, de higiene, é
verdade, mas sem esquecer a força da natureza, até porque, apesar de
tudo, os nossos índios se mostravam saudáveis, fortes, reprodutivos.
Mary Del Priore
desenvolve um texto respaldado, fiel aos fatos históricos, sem
invencionices oportunistas. Nudez, sexo, higiene, desejo, pecado,
censuras, tudo reunido para informação e reflexão do leitor, que
busca conhecimento. Nesses tempos de individualismo radical, mas de
fanatismos alucinados, por desespero e falta de referência, seria
oportuno pensar um pouco mais nas nossas essências, nas nossas
verdades naturais, que nos organizam e sustentam através dos
séculos. O livro de Mary é um convite irrecusável à nossa melhor
consideração atenta, falando-nos igualmente de pedofilia, de
homossexualidade e doenças, de beatos e de libertinos, de sexo
natural e sem culpa e de sexo contido, delimitado.
Na parte final do seu
livro, Mary anota constatações importantes, que não devem ser postas
de lado. Mary nos lembra que, hoje, está ocorrendo uma brutal
individualização da família, uma passagem do coletivo ao singular,
do grupo ao indivíduo... A sexualidade parece que liberou-se das
exigências de reprodução, sobretudo em face dos modernos
contraceptivos, ressaltando-se o papel fundamental da ciência, dos
estudos da sexualidade, sobretudo, o que não deve invalidar o bom
senso, afinal, o prestígio do respeito e do equilíbrio para uma vida
melhor, sem fundamentalismos ou radicalismos, espera-se. Mary Del
Priore é direta: “E quem somos? Indivíduos de muitas caras... Em
público, civilizados (nem sempre); no privado, sacanas. Na rua,
liberados, em casa, machistas. Ora permissivos, ora autoritários”.
Somos grandes contradições, como resultado. Até quando?...
Até quando, ufa,
incentivaremos um antagonismo definitivo entre ciência e
espiritualidade? Parece que anda faltando conhecimento, sabedoria.
Até quando agrediremos os índios, os diferentes, os indefesos? Até
quando tentaremos tolamente recusar o corpo, a nudez, o nu do
nudismo, elucubrando teses pobres, sofismas pudicos,
preconceituosos, meias-verdades para consumo fácil? Uma leitura,
como a do texto de Mary, pode nos iluminar, mostrando, não meros
atalhos, mas caminhos seguros.
(enviado 12/06/17 por Paulo Pereira) |
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