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Jornal Olho nu - edição N°195 - Fevereiro de 2017 - Ano XVII |
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Dora Vivacqua: Luz Centenária (1917-2017)
Paulo Pereira
A saudosa Luz del Fuego viveu intensamente esse olhar pleno de vida. E fez mais: uniu o corpo à arte, pioneira, antecipando, na prática, a sabedoria de Ferreira Gullar: “A arte existe porque a vida não basta”!
Sublinhando, pois, as melhores referências, visando sempre ao bom entendimento, é oportuno recordar algumas palavras escritas por Luz del Fuego na apresentação oficial da primeira revista nudista-naturista ilustrada do Brasil, em 1950. No lançamento de “Naturalismo”, está escrito: “A hipocrisia e o preconceito, por conveniências e interesses, adoeceram o corpo e a alma da humanidade... Sem o véu da fantasia, a nudez se revigora à luz solar, vencendo os males que ofendem a saúde e comprometem o corpo; nascemos nus e nus vivem os índios no mais afervorado respeito a seus preceitos de moral... Em países cultos, como os Estados Unidos, a Alemanha, a Noruega e a França, existem centros naturalistas (nudistas-naturistas) a que chamam de Colônias de Nudismo, onde a vida ao ar livre oferece benefícios excelentes à saúde. Sou a pioneira de um desses núcleos no Brasil, não obstante a malícia e a incompreensão de alguns. Criei também o Partido Naturalista Brasileiro (1949), que hoje representa uma força política prestigiosa”. Isso é História com maiúscula! O pioneirismo de Dora Vivacqua, a Luz del Fuego, exige respeito.
Em maio de 1994, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Cristina Agostinho, Bianca de Paula e Maria do Carmo Brandão fizeram o lançamento oficial do livro “Luz del Fuego, A Bailarina do Povo”, Editora Best Seller e Círculo do Livro. Na dedicatória da obra para mim, Paulo Pereira, enfatizo, Cristina escreveu “Para Paulo matar um pouco da saudade. Com um abraço da Cristina”. Mas essa saudade, danada de grande e de caprichosa, só fez crescer com o passar dos anos, talvez porque as energias preciosas não morrem, sofisticam-se, viram parte da gente... E Cristina Agostinho cita, explícita, a pioneira Luz del Fuego: “Contra a realidade social, vestida e opressora, sem loucura, sem prostituição, sem penitenciárias, fundei o Partido Naturalista Brasileiro... Menos roupa e mais pão! Nosso lema é ação!”... E, nas páginas finais do referido livro, há uma bela série de ilustrações e de fotos históricas, que atestam, de forma direta e inconteste, o pioneirismo de Luz del Fuego, que reafirmamos aqui e agora.
Em síntese, considero a obra “Luz del Fuego” de Aguinaldo Silva e Joaquim Vaz de Carvalho, 1982, o texto mais rico e denso, embora resumido, a respeito da personalidade, da vida e da obra de Luz del Fuego, lançamento da Editora Codecri e Morena Produtores de Arte. Os autores da obra vão diretamente ao foco, à questão da imagem multifacetada de Luz, sobretudo, como humanista, feminista, nudista, apaixonada pela natureza e amiga dos diferentes e dos animais desvalidos. De fato, logo no primeiro capítulo, são feitas importantes colocações sobre a opressão à mulher dentro do processo autoritário brasileiro. Os autores, lúcidos, perguntam: “Alguém falou em assassinatos culturais? A verdade é que essas mulheres foram mortas várias vezes em vida, acusadas, ofendidas e humilhadas, atacadas sem trégua por sua coragem, submetidas a um processo de violência constante dentro do qual são mortas, ainda que acidentalmente, como Maysa e Leila, apenas uma espécie de clímax dramático”...
É indispensável, na atual conjuntura sociocultural, considerar atentamente a existência de uma certa superficialidade reinante, em prejuízo do real saber, do conhecimento. Há um excesso de subjetividades. Talvez por isso mesmo, em 2016, o conceituado Oxford elegeu o verbete “pós-verdade” como o destaque do ano... Muita gente tenta distorcer os fatos, e busca substituir a história por simples narrativas fantasiosas ou convenientes, a emoção e a criatividade oportunista em lugar da razão, do respeito aos fatos, ao conhecimento científico, por exemplo. Vivemos um tempo de “pós-verdade”, pleno de casuísmos e de adaptações simplórias, interessadas. Mas a verdade histórica deve se impor, sempre. A meia-verdade e a “pós-verdade” são grandes falácias, grandes mentiras. O legado de Luz del Fuego pede uma leitura consciente, serena, histórica.
Dora Vivacqua é o nome lembrado no centenário de seu nascimento porque é uma luz preciosa que não se apaga. Luz del Fuego é um grito de liberdade. “Criatura louca e generosa, agridoce, grosseira e suave, inesquecível na sua verdade”, como nos disse o meu saudoso amigo e colega David E. Neves, cineasta, diretor do filme “Luz de Fuego” protagonizado por Lucélia Santos.
Hoje, nesse momento significativo dos cem anos de Luz, emocionado, lembro da amiga Dora, até como foi citada por Dom Marcos Barbosa, do Mosteiro de São Bento, em 1967, Membro da Academia Brasileira de Letras, no programa “Encontro Marcado”, na antiga rádio Jornal do Brasil, isto é, como uma sonhadora acordada, como uma centelha viva, ainda que meio utópica, a nativa solitária de Paquetá... E, então, faço publicamente uma pequena e doce inconfidência, uma revelação: recebi, em minha residência, há anos, de surpresa, a visita ilustre e fraterna de Dora, de Luz, com sua simplicidade cativante, franciscana, com seu ar de morena nativa, a longa trança e a pequena rosa vermelha a ressaltar a beleza de seus cabelos negros, uma figura feita de espontaneidade e meiguice... Dora fez breves comentários sobre a solidão humana e sobre a dimensão insondável da natureza. Mas, na verdade, Dora comunicou-se comigo também sem falar, pois, quando as mentes e almas se entendem, as palavras se tornam desnecessárias, e emudecem... O “alemãozinho”, como Dora me chamava, agradece a consideração da mestra humanista.
Fica, então, em mim, Paulo, a certeza de um viver maior. Luz del Fuego vive! Ela vive nas mentes e corações livres, no respeito atencioso ao diferente, na lembrança dos que souberam conviver com ela, na coragem do despojamento integral de corpo e alma, no olhar sem pecados, nos anais das lutas e filosofias libertárias e até, magia e brilho, nas lendas da ribalta.
(enviado em 3/01/17 por Paulo Pereira) |
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