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Jornal Olho nu - edição N°185 - Abril de 2016 - Ano XVI

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Verdades Reafirmadas

 

por Paulo Pereira

 

Embora os rios de lama das barragens de Mariana ainda persistam de alguma forma, sem falar de seus efeitos deletérios duradouros, infelizmente, e águas turvas façam parte do nosso cenário sócio-político e econômico, persigo a árdua tarefa de criar simplicidades e serenidades, afasto-me, por fim, do exílio tórrido em que vivi no verão, até meio incrédulo, e deixo-me envolver prazerosamente pelas brisas e ventos quase frios desse outono, que chega prenhe de renovações, de construções, de reencontros, certamente de verdades reafirmadas. Recobro o contato, fascinado, com os verdes fartos da minha velha Tijuca, das árvores frondosas, dos perfumes de mato do Alto da Boa Vista, da Floresta, e rendo-me às águas indomáveis das cachoeiras recônditas, por destino e jeito de ser. Quando chego à varanda, no alto do prédio, redescubro a montanha de Sumaré com suas rochas e sua vegetação resistente, para alívio e deleite dos meus olhos cansados.

 

E não é preciso confessar que eu gostaria de estar mais à vontade, sempre, despojado, envolto no tudo-nada da vida cíclica, madura, real: nu com certeza, sem as censuras das mentes doentes. Na verdade, sinto-me despido até das roupas, por certo, mas principalmente dos hábitos rançosos, cansados, meramente repetitivos, com jeito de mofo intelectual, barulhentos por nada... E fico a pensar como é mais fácil perceber que as grandes e melhores soluções estão dentro de nós, meio adormecidas, esperando apenas nosso consentimento para aflorar, para ter vez concreta. Vivo, então, o gozo de ter rompido velhas amarras íntimas, sobretudo, e de ter dado vez e voz ao pulsar do meu eu profundo, que quer serenidade sem indiferença, que quer contentamento sagrado, sem oba-oba ou tagarelice inconsequente, que decide construir a paz sem vulgaridade ou covardia, e que tenta a sabedoria que a idade e o tempo acumulam, sem aflições, sem remorsos, sem hipocrisia... E, até por isso tudo, embalado pelo frescor outonal precioso, repito, enfatizo que o corpo, o nosso corpo, por exemplo, merece um respeito maior, mais lúcido, mais concreto, mais natural, sobretudo, porque o corpo é nossa identidade física, nossa cara no mundo, nosso veículo na estrada da existência.

 

Refazendo-me de tanta espera, de tanta secura, de tanta aridez, de tanto distanciamento, de tanta realidade sofrida, lembro, a quem possa interessar, que perceber a nudez com naturalidade é sinal de bom senso, de abandono de obscurantismos, de aceitação das verdades inapeláveis, que são a base de nossa existência na Terra, apesar dos delírios dos tolos e dos malvados. Os verdes fartos que reencontro, emocionado, nesse outono abençoado, falam-me, pelas vozes sutis que brotam das grandes árvores e das plantinhas modestas, que viver é deixar fluir as essências naturais, mente e corpo irmanados e libertos, prestigiando prioritariamente as verdades reafirmadas, que podem ser percebidas através da prática do silêncio nobre, da tolerância serena, do despojamento psicofísico, da nudez natural, da nudez do índio, por exemplo, da naturalidade sem medo, até porque as meias-verdades e os jogos demagógicos de palavras apenas aprofundam inverdades, desconstruções, prejuízos físicos, morais e espirituais. É tempo de deixar o vento falar, sábio, e que as águas de março tenham nos trazido a paz, a paz interior, a sabedoria livre da natureza pura, indomável, razão da vida real, que nos ensina sutilmente que, de fato, é necessário estar nu de corpo e alma para vislumbrar o infinito.

 

Paulo Pereira

Março de 2016.
 

 

(enviado em 26/03/16 por Paulo Pereira)


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