Embora
os rios de lama das barragens de Mariana ainda persistam de alguma
forma, sem falar de seus efeitos deletérios duradouros, infelizmente, e
águas turvas façam parte do nosso cenário sócio-político e econômico,
persigo a árdua tarefa de criar simplicidades e serenidades, afasto-me,
por fim, do exílio tórrido em que vivi no verão, até meio incrédulo, e
deixo-me envolver prazerosamente pelas brisas e ventos quase frios desse
outono, que chega prenhe de renovações, de construções, de reencontros,
certamente de verdades reafirmadas. Recobro o contato, fascinado, com os
verdes fartos da minha velha Tijuca, das árvores frondosas, dos perfumes
de mato do Alto da Boa Vista, da Floresta, e rendo-me às águas
indomáveis das cachoeiras recônditas, por destino e jeito de ser. Quando
chego à varanda, no alto do prédio, redescubro a montanha de Sumaré com
suas rochas e sua vegetação resistente, para alívio e deleite dos meus
olhos cansados.
E
não é preciso confessar que eu gostaria de estar mais à vontade, sempre,
despojado, envolto no tudo-nada da vida cíclica, madura, real: nu com
certeza, sem as censuras das mentes doentes. Na verdade, sinto-me
despido até das roupas, por certo, mas principalmente dos hábitos
rançosos, cansados, meramente repetitivos, com jeito de mofo
intelectual, barulhentos por nada... E fico a pensar como é mais fácil
perceber que as grandes e melhores soluções estão dentro de nós, meio
adormecidas, esperando apenas nosso consentimento para aflorar, para ter
vez concreta. Vivo, então, o gozo de ter rompido velhas amarras íntimas,
sobretudo, e de ter dado vez e voz ao pulsar do meu eu profundo, que
quer serenidade sem indiferença, que quer contentamento sagrado, sem
oba-oba ou tagarelice inconsequente, que decide construir a paz sem
vulgaridade ou covardia, e que tenta a sabedoria que a idade e o tempo
acumulam, sem aflições, sem remorsos, sem hipocrisia... E, até por isso
tudo, embalado pelo frescor outonal precioso, repito, enfatizo que o
corpo, o nosso corpo, por exemplo, merece um respeito maior, mais
lúcido, mais concreto, mais natural, sobretudo, porque o corpo é nossa
identidade física, nossa cara no mundo, nosso veículo na estrada da
existência.
Refazendo-me
de tanta espera, de tanta secura, de tanta aridez, de tanto
distanciamento, de tanta realidade sofrida, lembro, a quem possa
interessar, que perceber a nudez com naturalidade é sinal de bom senso,
de abandono de obscurantismos, de aceitação das verdades inapeláveis,
que são a base de nossa existência na Terra, apesar dos delírios dos
tolos e dos malvados. Os verdes fartos que reencontro, emocionado, nesse
outono abençoado, falam-me, pelas vozes sutis que brotam das grandes
árvores e das plantinhas modestas, que viver é deixar fluir as essências
naturais, mente e corpo irmanados e libertos, prestigiando
prioritariamente as verdades reafirmadas, que podem ser percebidas
através da prática do silêncio nobre, da tolerância serena, do
despojamento psicofísico, da nudez natural, da nudez do índio, por
exemplo, da naturalidade sem medo, até porque as meias-verdades e os
jogos demagógicos de palavras apenas aprofundam inverdades,
desconstruções, prejuízos físicos, morais e espirituais. É tempo de
deixar o vento falar, sábio, e que as águas de março tenham nos trazido
a paz, a paz interior, a sabedoria livre da natureza pura, indomável,
razão da vida real, que nos ensina sutilmente que, de fato, é necessário
estar nu de corpo e alma para vislumbrar o infinito.
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