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Jornal Olho nu - edição N°168 - Novembro de 2014 - Ano XV

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Abricó: Jubileu de Ouro

por Paulo Pereira*

Até mesmo em 1964, numa época sombria e de exceção, a velha mãe natureza se recusava a aceitar limites inaturais, que prestigiassem, por exemplo, censuras e intolerâncias. A natureza prosseguia festejando a liberdade nua, sem julgamentos, e a vida, afinal, em tom maior. Eu, que venho comprovadamente de longe, já estava lá no Grumari/Abricó, uma praia ainda meio selvagem, recôndita, sem falsos pudores, com o sol e o mar apenas por testemunhas, cúmplices doces, distantes da mera indiferença.

Eu ia frequentemente ao Abricó para abraçar o mundo natural, na busca instintiva de encontros e reencontros libertários, serenos, sem violências, as águas salgadas do velho mar envolvendo minha nudez, então jovem, e aparentemente desenhando pequenas esculturas e flores de espuma sobre meu corpo sem vestes ou máscaras... São antigas imagens atemporais, que ainda hoje persistem, e que animam minha luta, sugerindo a perenidade nas impermanências do ontem e do hoje na busca do amanhã. Eu me acostumei a sentir os aromas sutis do Abricó, que era meio agreste e inabitado, que não cheirava a gente, como diria o nobre cacique Seattle, a gente que tenta ignorar o pulsar indomável da natureza...

A vida, na verdade, teima em afirmar-se irrecusável, soberana, sem pecados, sem culpas inventadas, meio agridoce, com gostinho de infinito. Em 1964, no Abricó silencioso e limpo, encontrei o bom amigo Adilson, o Sargento, pescador nudista, contador de boas histórias, observador experiente do cotidiano histórico. E não posso esquecer do velho Benedito, morador eventual de um pequeno sítio, porteiras de madeira, homem simples e acolhedor, que, ali no meio do mato, estava sempre pronto a ajudar, a oferecer água fresca, uma fruta ou refrigerante.

O Grumari/Abricó era um lugar de grande beleza rústica, com fauna e flora ainda bem preservados. Mas, naquela ocasião, sobretudo, o acesso à praia era difícil. Eu gastava quase uma hora e meia da Tijuca, de carro, até lá. Era uma aventura prazerosa, sem bandidos, sem crime organizado, sem excesso de veículos, sem muita poluição... No Abricó, de fato, vivi muitas manhãs de paz, de contato íntimo e franco com a natureza nua. E, com o passar do tempo, muitos amigos e amigas uniram-se a mim, os famosos “comandos naturistas” em ação, o prazer da convivência espontânea, sadia, simples e natural. Recordo, com grande emoção, a figura ímpar de Osmar Paranhos, o militar cidadão do mundo, naturista entusiasmado, poeta, também contador de boas histórias, confidente, um dos nossos homens nas tropas de Suez, Egito, e frequentador apaixonado de espaços naturistas no Caribe e na França... Quanta saudade! Paranhos amigo franco, companheiro de Luz Del Fuego na Ilha do Sol, fundador também do Clube do Sol, do Clube Naturista Brasileiro. Lembro-me dos casos que ele me contava sobre o Egito, sobre a convivência com a tropa, com militares da Índia distante, que misturavam o inglês com seus dialetos indianos.

O belo Abricó testemunhou sempre muitos encontros nudistas-naturistas, que constituem concretamente a base histórico-afetiva para a oficialização da praia como espaço destinado à prática nudista-naturista, como felizmente ocorre agora (2014) através da Lei Municipal. O pioneirismo do Rio de Janeiro está reafirmado, datado. E não podemos igualmente esquecer de registrar, com ênfase, o trabalho incansável do amigo Pedro Ricardo, ao longo de tantos anos, pela oficialização do Abricó, mais uma evidência clara de que é importante viver o bom combate.

Eu falo do Grumari/Abricó sempre com indisfarçável emoção, modéstia à parte como combatente da primeira hora, como pioneiro conhecido embora modesto, como testemunha ocular desses cinquenta anos bem vividos. O Abricó tem história! E os bons companheiros de sempre são, repito, testemunhas idôneas, sim senhor, sem lendas pueris ou invencionices, da grande saga nudista-naturista do Rio de Janeiro, do Brasil, desde 1949. Há, de fato, grandes protagonistas que são os fatos históricos comprovados. Essa grande vivência humana, humanista, corajosa e natural, no Abricó, nesse meio século, está plena de energia positiva, sem vaidades e desconstruções. O Abricó, espaço sagrado da vida nua, é um marco precioso, inconteste, do Movimento Nudista-Naturista do Brasil, que precisa ser respeitado, lembrado com carinho. Ao falar do Abricó, mergulho serenamente em algumas das minhas mais queridas memórias, guardando no meu íntimo a certeza confortadora de que, afinal, deixei muitas impressões naquelas areias cúmplices, impressões sobretudo de meus passos mais simples e reveladores, marcas indeléveis que só a mãe natureza sabe de fato colecionar...

Admito humildemente que poucos podem, como eu, ter vivido o privilégio de encontrar e de edificar, aos poucos, um espaço de livre viver como o nosso Abricó, felizmente não de forma solitária. O somar, o compartilhar, por exemplo, tem sempre estado na ordem do dia. A aceitação dos corpos nus no Abricó é uma afirmação de cidadania, e de respeito pelas verdades naturais. Ao meu lado, desde 1964, Paranhos, Daniel de Brito, Sargento, Paulo Oliveira, Terson Santos, Raul Cardoso e Pedro Ricardo, por exemplo, são nomes consagrados. É, pois, no Abricó que se deve esquecer o cansaço ao sol que queima sem dor, vivendo manhãs e tardes de paz, como a natureza manda. Tudo começou naquela manhã ensolarada de 1964. E até parece que foi ontem...

*Paulo Pereira, Biólogo,

estudioso do Naturismo,

ex-presidente da Fraternidade Naturista Brasileira

e da Rio-NAT

pereiranat37@gmail.com

(enviado em 16/11/2014)


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