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Jornal Olho nu - edição N°156 - Novembro de 2013 - Ano XIV

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Naturalmente - Novembro 2013

por Paulo Pereira*

Começo fazendo um registro, mais uma vez, sobre nudez e corpo, citando a matéria de capa da “Revista O Globo”, 01/09/2013, sob o título “De Corpo Aberto” ou “Sem Roupa, Com Atitude”, de autoria de Cláudia Amorim... Afinal, nudez real ou virtual? Nudez natural ou produzida?... O novo enfoque do dito nu feminino sugere definições, multiplicando-se nos chamados mundos real e virtual: é o proclamado nu real, natural, político, orgânico? Cláudia Amorim anota: “A iniciativa de Marina (Marina Macedo, estudante de Ciências Sociais) é uma entre muitas de nu feminino, que crescem e aparecem, na contramão de referências já antigas como as mulheres sem roupa das revistas masculinas, as poses que reproduzem clichês sensuais e os retoques que transformam corpos reais em fotos de um mundo onde celulites e poros não existem. São várias as vertentes dessa tendência, mas há algo em comum entre os exemplos que vêm se multiplicando: uma espécie de nu com atitude, que pretende ser consciente e libertador”...

Eu, então, diria, de passagem, que o nu naturista sempre pode, e sobretudo deve, ser um nu com atitude, natural, consciente e, se possível, libertador! Lembremos que não basta tirar a roupa para ser nudista-naturista... É preciso o desnudamento integral, sem fantasias, sem artifícios, sem exagero de produção, sem misturar comportamento e religião, naturalidade e ideologia radical.

É Cláudia que explica melhor: “Contra os padrões, hoje frequentemente aplicados via Photoshop, segue o projeto “Apartamento 302”, do fotógrafo Jorge Bispo. Depois de clicar mais de cem mulheres de todos os tipos, origens, idades e profissões, por um ano, Bispo está engajado num “crowdfunding” para viabilizar a publicação de um livro retratando a mulher como ela é, sem retoques ou produção, diante apenas de uma parede branca”...

O buscado corpo-verdade, corpo todo natural, conforme a natureza, e os postulados históricos do naturismo. A diversidade da vida, da nudez humana portanto, procura afirmação. E Cláudia Amorim arremata, citando palavras da notável escritora Rose Marie Muraro, igualmente entusiasta desse “novo” nu: “Isso tudo é político. Faz parte da marcha da humanidade, passa pela Internet, pelas redes sociais. Há uma novidade na maneira de se fabricar a nudez em público, organizada, com um propósito. É o ser humano achando a sua identidade”. Eis uma fala preciosa: a humanidade, nascida nua, marcha ao encontro de suas raízes essenciais. O naturismo é, por certo, a nudez organizada, social, natural, com um propósito: o do autoconhecimento na aceitação do outro, sem vestes, fraternalmente... A nossa nudez de todos os dias é, pois, nossa identidade. Devemos assumi-la com atitude, com simplicidade.

E, ao assumir inteiramente nossa identidade natural, é oportuno destacar palavras de Mário Quintana (“Da Preguiça Como Método de Trabalho”) e de Gilbert Varet, ilustre naturista francês já citado anteriormente (Setembro/ 2013). Muitos afoitos teimam em falar de pecados e de influências demoníacas, num eterno discurso centrado no preconceito, na intolerância e, sobretudo, na ignorância... Mário Quintana, talentoso, escreve: “Não se trata apenas da moda literária: a Igreja também está insistindo em que o Diabo existe mesmo. Ótimo para ambas as partes. Consulte-se a História: não, não era porque não acreditássemos em Deus que a religião começou, um dia, a decair. Era que ninguém mais acreditava no Diabo... É que para nós, por enquanto, o Diabo não passa de um pobre-diabo”... Os instintos são naturais, não são deletérios e a nudez não é coisa do Diabo!

Volto, então, a Gilbert Varet, que nos diz, categórico: “O sexo é uma coisa prazerosa e não uma maldição”... A nudez é tão velha quanto a nossa existência, até porque a natureza, que não pede julgamentos, não prestigia pudores nem crendices inaturais. O corpo, de resto natural e nu, não pode ser ignorado ou desconstruído, afinal. Mas o ser humano, paradoxal, sempre foi capaz de elucubrar, de inventar.

Em sua obra clássica, os escritores Jacques Le Goff e Nicholas Truong, chamada “Uma História do Corpo na Idade Média”, 2003, anotam que “a religião cristã institucionalizada introduz no Ocidente uma grande novidade: a transformação do pecado original em pecado sexual”. E comentam que essa mudança não encontra eco ou registro anterior ao próprio cristianismo, e que o dito pecado original é um pecado de curiosidade e de orgulho... Há uma espécie de culpa inventada, de obsessão pelo sexo como demoníaco... Mas o corpo, como foi dito, é nossa grande e objetiva identidade.

Ainda Le Goff e Truong, na conclusão, observam que “o corpo ilustra e alimenta uma história lenta; a esta história lenta que é, no fundo, a das ideias, das mentalidades, das instituições e mesmo das técnicas e das economias, dá um corpo, o corpo”... É verdade, também, como afirmam os autores franceses, que o corpo muda, na sua realidade física, nas suas funções, no seu imaginário, mas nossa verdade natural é inapelável. E isso interessa, igualmente, à prática nudista-naturista, que precisa olhar o corpo sem a preocupação de julgá-lo ou de adjetivá-lo, de vesti-lo de fantasias pecaminosas ou angelicais. Corpo e mente integrados, eis a questão. Mas é necessário um olhar perceptivo, que nos faça enxergar o corpo como dado primeiro, como colocou Rose Marie Muraro, sem miopias ou conveniências vesgas.

Na página “Mundo”, de “O Globo”, 29/09/2013, o correspondente Fernando Eichenberg escreve um artigo intitulado “Resistências a Francisco”, ressaltando o que chama de “católicos em descompasso”... O jornalista comenta: “No discurso, o novo Pontífice demonstrou uma maior abertura às transformações das sociedades modernas, na rejeição de uma ingerência espiritual na vida pessoal, e criticou a “obsessão” da Igreja por temas como casamento homossexual, o aborto ou os contraceptivos”. Segundo Marco Politi, afirma Eichenberg, está em curso uma verdadeira revolução, num processo gradual de desmontagem de uma Igreja imperial...

Já existe, então, como nos diz o jornalista, uma resistência das forças conservadoras, não somente na Ciência, mas na Igreja. O Papa Francisco propõe uma prioridade para os pobres e afirma não julgar os homossexuais, por exemplo. E sua perspicaz observação de que há uma “obsessão” na Igreja por sexo, por pudor, por discutir e condenar os homossexuais, o aborto, os contraceptivos, a nudez como pecado, certamente foi a gota d'água para fazer transbordar a fúria pudica, intolerante. Mas a doença obsessiva é antiga. O corpo vira sítio do pecado, do Diabo... O tema recorrente da chamada “pudicícia” (ver meu texto a respeito em “Sem Pedir Julgamentos”) vira questão de honra para os conservadores. Recordo, de passagem, as declarações (inclusive escritas) do chamado Papa Emérito Bento XVI e do Cardeal Eugênio Sales, enfáticas e um tanto desastradas a respeito dos grupos e anseios LGBT, declarações afoitas, sem respaldo científico rigoroso. A tarefa franciscana do Papa parece-me árdua e sujeita a surpresas...

Não é fácil modificar um prédio milenar, uma estrutura antiga, pouco afeita a novidades. Mas o mais importante, aqui e agora, é salientar que o corpo (incluídos o sexo, a sexualidade, a ciência médica e biológica) não é sítio privilegiado do pecado, até porque é nosso traje de nascença, nossa verdade natural, independentemente do que imaginem ou inventem as mentes doentias.

Como foi dito no início deste texto, é importante buscarmos a nudez natural, o nu real, o nu com atitude, o nu consciente, o nu libertador, que nos livre das trevas medievais da ignorância científica; é importante buscar a natureza como ela é, sem vestes, sem máscaras, na tentativa incansável, por exemplo, da construção de uma prática nudista-naturista feita de simplicidade, de fraternidade, de conhecimento em lugar de invencionices.

Em tempo: em pleno século XXI, a nudez ainda causa espanto para muitos, e acaba sendo até mesmo um quase tabu, longe da percepção científica ou humanista. E por isso mesmo, a nudez muitas vezes é colocada como uma transgressão, como um dado insólito, mas certamente ao arrepio da natureza. A propósito, recentemente foi noticiado pelo mundo um comportamento, a princípio inusitado, de uma mulher chinesa, que se mostra inteiramente nua em público, e até posta várias fotos nas redes da festejada Internet... Mulher jovem, pele clara, nu frontal, uma espécie de mistura de naturalidade sensual e de transgressão exibicionista. E note-se que toda a imensa rede de vigias sensores chineses ainda não tinha conseguido encontrar a tal mulher, descobrir-lhe a identidade, certamente para puni-la... O pudor oficial do regime comunista, um tanto precioso e incoerente, afinal não consegue aceitar as proclamadas verdades naturais. Mas a nudista esquiva, da velha China agora capitalizada, o que estará buscando ou tentando dizer? O certo é que ler a linguagem do corpo nu pede, sobretudo, conhecimento, simplicidade, espírito desarmado, talvez a desejada atitude naturista.

Nota: o texto da coluna “Naturalmente” deste mês de novembro completa a coleção para o segundo volume de “Naturalmente” (o primeiro foi publicado em 2008), perfazendo 14 anos de existência (desde o início do Jornal Olho Nu), o que me faz feliz pela tarefa realizada; novos desafios surgem como estímulo para prosseguir buscando entendimento e evolução, renovando aqui o meu agradecimento pela atenção de todos.

Paulo Pereira

Novembro/ 2013

Escritor, tradutor, biólogo,

o naturista mais antigo do Brasil.

Membro do conselho Consultivo da FBrN


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