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Jornal Olho nu - edição N°154 - Setembro de 2013 - Ano XIV

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Naturalmente - setembro 2013

por Paulo Pereira*

 

Mais uma primavera está chegando, certamente trazendo novos ares, edificações, reflorescimentos… Com decisão e serenidade, é tempo de buscar encontros mais elevados, recordando aprendizados e verdades consolidados.

 

E, dentro dessa perspectiva ampliada, gostaria de fazer uma breve releitura de uma obra bem concebida, publicada em 1989, “M.A. Editions”, Paris, de autoria de Gilbert Varet, com prefácio de Philippe Cardin, então presidente da Federação Francesa de Naturismo, sob o título de “L’Épanouissement, La Santé et la Forme par le Naturisme”… Enfatizo, então, mais uma vez, que a prática nudista-naturista tem história antiga, documentada, rica, distante de subjetividades e de meras epifanias megalomaníacas. Já no prefácio, Cardin observa que o nudismo-naturismo se desenvolve rapidamente e de certa forma desorganizadamente, especialmente nos ambientes públicos naturais, mas, na verdade, a prática nudista-naturista comporta respostas autênticas para vários problemas sérios da vida pessoal contemporânea, notadamente a procura de uma vida sadia e equilibrada... De fato, sublinhando o que está consagrado na definição da INF (Agde, 1974), a prática nudista-naturista bem concebida é meio importante na busca do autoconhecimento, do respeito por si mesmo, pelo outro, pela vida em tom maior, pela diversidade e harmonia do meio ambiente, mas sem protagonismos vazios, sem pseudociência, sem dogmas.

 

Naturismo não é modismo

É imprescindível reafirmar, aqui e agora, que a filosofia do naturismo, como coloca W. Welby, é apenas natural! Naturismo é, acima de tudo, simplicidade, despojamento, naturalidade. Gilbert Varet anota em seu livro que a nudez em geral está na moda, mas naturismo não é modismo... A nudez, como diz Varet, não é apenas para ser vista, como arte, numa galeria ou museu. A nudez é nossa identidade física, nosso traje de nascença, acrescento. Mas a prática nudista-naturista é frequentemente objeto de disparates, de confusões, de falsa erudição, de enganos forjados. Alguns, observa Varet, ignorando o significado e a história naturistas, inventam definições, justificativas, fantasiando muitas vezes, sem falar dos que, pudicos e hipócritas, reagem com horror diante da prática da nudez social. Ainda para muitos outros, salienta Varet, o naturismo acaba sendo uma ideia platônica, onírica, uma utopia agradável... Mas o nudismo-naturismo não é um sonho! É fundamental buscar conhecer, entender o verdadeiro sentido da prática nudista-naturista já centenária. E Varet nos diz, conciso: “Le naturisme est quelque chose de simple, comme la nudité ele même”... Mas muita gente, que se julga ilustre, quer sempre complicar, valorizar subjetividades afoitas. Para Varet, e eu subscrevo, a nudez é simples, agradável, bela, pura e sadia! E Varet arremata: “La nudité nous invite à réapprendre l’amitié des éléments”... A natureza, que não pede julgamentos e da qual fazemos parte, nos convida a reaprender a viver naturalmente.

 

O equilíbrio, a saúde e a forma física e mental, valorizados pela natureza, servem de título para a obra de Gilbert Varet, que igualmente remete à questão, vasta e complexa, do dito dualismo de corpo e alma, às questões do pudor, à realidade das vestimentas, das convenções culturais. Varet destaca que, na verdade, temos medo de nosso corpo, esse desconhecido... Mas a nudez, em essência, é pura, natural, pudica. É preciso perceber a nudez como verdade integral, o corpo na sua integridade, mente sadia e corpo saudável, mens sana in corpore sano, eis o naturismo completo. E Varet acrescenta, sábio, que a nudez é, sobretudo, um estado de espírito, até mais que um mero estado de corpo... A obra de Gilbert Varet é um convite à reflexão profunda, isenta, que valorize o conhecimento em vez do palpite, o homem visto e entendido na sua realidade integral.

 

Nudez natural

Diante das colocações de Varet, e até dos pronunciamentos do Papa Francisco em sua recente visita ao Rio de Janeiro (julho de 2013), é irrecusável pensar, ainda que de forma breve, a questão de corpo e mente, de corpo e espírito, de nudez natural, de instintos e regras culturais. Por isso, vou direto ao assunto, recordando palavras oportunas e eruditas de Juan Arias, jornalista, estudioso de assuntos sociais e religiosos, publicados em “O Globo”, caderno Prosa & Verso, 27/07/2013, sob o significativo título de “A Carne não é Território do Pecado”... E Arias começa afirmando que “para se reinventar, a Igreja precisa voltar às suas origens e abandonar o dualismo entre corpo e espírito, que segrega mulheres e dita uma ética sexual incompatível com o presente”... Essa ética sexual é igualmente incompatível, registremos, com as verdades científicas, um anacronismo descabido. Em última análise, por exemplo, seria oportuno reafirmar que não é pela rejeição ascética do corpo e de seus instintos que se deve valorizar a verdadeira espiritualidade. O corpo não é referência de negatividade, de impureza, de pecado, e os instintos são naturais, longe de trevas demoníacas. Pudicícia ascética, inatural e instintos deletérios são certamente elucubrações de mentes doentes, ou dominadas por delírios, por utopias.

 

Juan Arias, jornalista, estudioso de assuntos sociais e religiosos

Vou, então, ao texto de Juan Arias: “Nunca se disse tanto que o catolicismo, para se salvar da sangria que o assola, precisa voltar às suas raízes, a suas origens, que começam na Palestina com os ensinamentos do profeta judeu Jesus de Nazaré... Quando se diz que o cristianismo deve se desprender da influência que recebeu no século IV do Império Romano e da contaminação platônica da filosofia grega com Santo Agostinho, pouco se fala de um ponto fundamental: recuperar a teologia do corpo, a ideia de que, como sempre defendeu o judaísmo que influenciou as primeiras comunidades cristãs, não existe diferença entre corpo e alma”. Em síntese, considerada a Ciência, corpo e alma são, pois, expressões que diferem pela densidade de suas energias, sem distinção essencial... O corpo não é sujo, inferior, sítio do pecado, nem o espírito uma realidade sobrenatural... O corpo, como observa Arias, não é a prisão do espírito! A dita ética sexual, da maioria dos que se dizem cristãos, precisa ser revista, tomar um banho de conhecimento, de verdade. Essa verdade, ressaltemos, não implica na rejeição necessária da existência de Deus... Como sugere Arias, o corpo não é perigoso para a santidade, território do mal. Volto a citar Juan Arias: “A cultura judaica, na qual bebeu o primeiro cristianismo, foi diametralmente oposta à Igreja de hoje. No judaísmo não existe a vergonha pelo corpo e, em consequência, pela sexualidade; para o judaísmo, o pecado original não é o sexo”... Pensemos bastante nisso. O corpo não é vergonhoso, a natureza não produz vergonhas, e a sexualidade (as orientações sexuais incluídas) também não é vergonhosa, impura, pecaminosa, inatural, doentia. É tempo de perceber em vez de apenas olhar! Arias acrescenta que o divórcio entre corpo e alma acabou contaminando a ideia de sexualidade, e considerando a mulher como objeto, como tentação sexual, afastada, então, do sacerdócio... Um disparate!

 

img: EPA/LUCA ZENNARO / POOL

 O Papa Francisco não teme o contato físico, segundo Arias

Arias observa, estudioso, que “só no Concílio Vaticano II defendeu-se que a sexualidade, além de instrumento de procriação, pode ser um novo modo de comunicação humana”. E Juan Arias comenta a respeito do Papa Francisco: “Diz-se que Francisco é o “Papa do corpo”, que não teme o contato físico. Em seus quatro meses de pontificado, beijou (e abraçou) mais pessoas, crianças e adultos, do que outros papas em toda sua vida”... É um bom começo, que precisa ser ratificado objetivamente, eu diria. E voltar às raízes, como Obergfell aconselhou aos naturistas, parece-me oportuno também aos cristãos. É Arias quem salienta: “Se analisamos os sacramentos da Igreja, em sua origem, são todos sacramentos do corpo; são realidades que se transmitem por meio do corpo, desde a eucaristia até o batismo ou a extrema-unção. A graça sempre atravessa o corpo, que é “obra de Deus”, e não “instrumento do demônio”, como defendem tantos teólogos conservadores”... O corpo é nossa identidade, nossa realidade, jamais um instrumento demoníaco. E Arias anota ainda que o Papa Francisco busca o que ele, Francisco, chama de “teologia do encontro”, tentando novos caminhos. E eu, Paulo, como biólogo e naturista, sobretudo, espero que novos caminhos sejam encontrados de fato, porque nós humanos não somos anjos assexuados. Quando falamos em encarnação e até em ressurreição, é mister perceber que nós humanos somos primatas, certamente racionais, tagarelas e criativos, mas sempre parte concreta da natureza, cheios de sexualidade, de dor e de prazer, corpo e alma, energias de densidades diferentes, primatas um tanto paradoxais, mortais, que perseguem o arco-íris do infinito, nus como nasceram.

 

Quando focamos a prática nudista-naturista, torna-se fundamentos ter em mente os consagrados fundamentos histórico-filosóficos do Movimento, desde Ungewitter, que sempre valorizaram o equilíbrio físico-mental, a comunhão consciente com a natureza, sem preconceitos ou diferenças individuais. Nesses tempos de violência multiforme, de indiferença sistemática pelo outro, de intolerância mascarada de pseudociência e de fundamentalismo dogmático, é indispensável buscar um rigoroso autoconhecimento, que questione corajosamente os egoísmos, as vaidades, a procura inescrupulosa pelo poder, pelo luxo, pelo dinheiro, pelo sucesso enganoso, pelo prazer desmedido e pela notoriedade fútil. A verdadeira cidadania é preciosa e resulta de conscientização e doação. Então, poderemos perceber o papel autêntico e valioso da prática nudista-naturista feita de simplicidade, de naturalidade, de despojamento psicofísico. É bom recordar, com ênfase especial, que a nudez é inapelável (debaixo das roupas todos nós estamos sempre nus) e serve para nos irmanar, mostrando nossas essências e nossos limites. A natureza nos ensina a testemunhar com coragem. Vivamos sem medos, naturalmente.
 

 

Paulo Pereira

Setembro/ 2013

Escritor, tradutor, biólogo,

o naturista mais antigo do Brasil.

Membro do conselho Consultivo da FBrN


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