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Jornal Olho nu - edição N°151 - Junho de 2013 - Ano XIII

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Naturalmente - junho 2013

 

Médico indianista Noel Nutes. Saiba mais sobre ele clicando aqui

Falei uma vez mais do corpo humano, nossa identidade física, propondo uma boa reflexão, certamente distante de dogmas, tabus e preconceitos… O corpo vivo, inteiro, sobretudo, natural. E agora, lendo atentamente mais uma página bem escrita por Renato Grandelle em “O Globo”, 27/04/2013, focalizando o notável Noel Nutels, o famoso médico dos índios, sublinho a beleza e a integridade do corpo natural, do corpo do índio dito selvagem, como a natureza quer.

 

Grandelle reafirma seu talento com objetividade e concisão, ao falar do amigo Nutels, pioneiro da causa indígena, começando por conceituá-lo como “um conhecido sertanista e defensor dos índios; um debochado contador de piadas, que fez de sua casa um quartel-general da cultura brasileira”… Os órgãos públicos em que ele trabalhou esqueceram-se da data do seu centenário, e a família, paralisada com a falta de recursos, não consegue erguer um instituto que preservaria a memória do médico… Diversos documentos que contam sua história e, por extensão, a da causa indígena no país, mofam nas gavetas de seu antigo apartamento em Laranjeiras…” Estamos definitivamente no país do esquecimento, dos improvisos, da preguiça de ler, dos casuísmos, do jeitinho brasileira, da superficialidade e dos oportunismos sincronizados! Contudo, eu tive o privilégio de conhecer pessoalmente o grande Noel Nutels em seu apartamento acolhedor, centro de encontros e convivência de gente estudiosa, inteligente, voltada ao conhecimento. Eu e Nutels falamos muito a respeito da simplicidade e da sabedoria dos índios, desse povo gentil e corajoso, integralmente despido, sem artificialismos ou falsos pudores. Falamos igualmente de Orlando e Cláudio Villas-Bôas, de Darcy Ribeiro, dos racismos odiosos da sociedade majoritária, da natureza agredida, submetida aos interesses de exploradores sem escrúpulos. Falamos de ciência e de arte, de biologia e de medicina, de saúde, de educação sanitária. Nutels era um homem igualmente incomum, fora da simples jurisdição de mundo, como afirmou Churchill a respeito de T.E. Lawrence e como eu disse a respeito de Dora, de Luz del Fuego… Nutels faz muita falta.

 

Noel Nutes cercado pelos índios que tanto ajudou

E volto ao texto de Grandelle: “Nos anos 40, ele participou da Expedição Roncador-Xingu, ligada à Fundação Brasil Central, e embrenhou-se, junto com o Marechal Cândido Rondon, numa marcha ao quase inexplorado Centro-Oeste. Era médico de uma missão que deveria levar cabos de topografia ao interior do país. Conheceu no caminho os irmãos Villas-Bôas, Leandro, Cláudio e Orlando, e adotou a causa indígena”. Anotemos, por acréscimo, que esses ilustres brasileiros criaram, em 1956, o Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas (SUSA), principal foco das atividades, então, de Noel Nutels, que mais tarde, seria carinhosamente chamado de “o índio cor de rosa”, sobretudo por sua pele branca, rosada… Outra vitória de Noel e dos Villas-Bôas, relembra Grandelle, foi a criação do Parque Nacional do Xingu, aprovada pelo então presidente Jânio Quadros, em 1961. Em 1963, Noel foi nomeado diretor do Serviço de Proteção ao Índio, o SPI, mais tarde (1967) Fundação Nacional do Índio (FUNAI). O texto de “O Globo” registra que o notável Nutels, amigo leal e médico dedicado dos índios, morreu em fevereiro de 1973, e deixou, além do precioso legado, uma lacuna imensa, especialmente nesses tempos de pseudossaber, de analfabetismo festejado. Reafirmo, aqui e agora, que Noel Nutels, os Villas-Bôas e Darcy Ribeiro, por exemplo, souberam enxergar a beleza natural e a grandeza do índio em sua nudez digna. Hoje, há uma orquestração demagógica e um baile de máscaras, que vendem a nudez humana e que, às vezes, vestem fantasias de índio… Os que se fantasiam de índios não são índios; são debiloides inescrupulosos. A verdadeira figura do índio é feita de coragem, de simplicidade, de naturalidade, de beleza selvagem! A voz do índio é a do grande cacique Cunhambebe, do valente Aimberê, sem medos e covardias. A voz do índio é a do cacique Seattle ao escrever para o presidente americano, em Washington, numa grande aula de sabedoria. E, para mim, ter conhecido Nutels é, repito, um grande privilégio, o que sempre me incentivou a buscar a autenticidade, a simplicidade e a serenidade.

 

...fico mesmo com as velhas caminhadas, suaves, descontraídas, respirando o ar fresco, se possível, imaginando estar despida, andando livre e solto, como um índio

Falei um pouco de Nutels, dos índios nus e livres, e faço, a seguir, mais dois breves registros. Para começar, na “Revista – O Globo”, 21/04/2013, Martha Medeiros, sempre talentosa, nos fala de uma possível “reconciliação “ com o corpo e faz uma confissão: “Pratico exercícios desde sempre… Aos poucos, fui largando tudo e mantendo apenas as caminhadas, essas sim, não apenas saudáveis, como prazerosas. Poderia passar o dia caminhando, não tivesse que reservar um tempo para exercícios cerebrais, como trabalhar e fazer palavras cruzadas”… E aí, Martha acabou envolvida pelos exercícios mais fortes, programados. Foi fazer pilates… Martha, então, desabafa: “Todas essas ideias me passaram pela cabeça… Quanto ao tédio, bom, não há tédio na dor. Às vezes me sinto como se estivesse treinando para me apresentar no Cirque du Soleil. Recebo ordens inimagináveis: grude o umbigo nas costas, encoste o queixo no peito… O pilates é, antes de tudo, uma reconciliação com esse corpo rebelde, fugidio”… Sem descrer da eficácia dos proclamados exercícios, fico mesmo, ainda mais na minha idade, com as velhas caminhadas, suaves, descontraídas, respirando o ar fresco, se possível, imaginando estar despido, andando livre e solto, como um índio, sempre, quem sabe no seio da mata…

 

Img: Arquivo JON

Luiz Rojo durante a defesa de sua tese de doutorado que analisava a vida na Colina do Sol, em 2005

O meu terceiro registro foi através de um feliz acaso, pois esbarrei numa prateleira de livraria e encontrei a nobre obra de Luiz Fernando Rojo, Editora Dígrafo, 2012, sob o interessante título de “Vivendo ‘nu’ Paraíso”… O livro conta, afinal, a história de uma pesquisa de campo, sociológica, na “Colina do Sol”, espaço nudista-naturista do Rio Grande do Sul, tarefa realizada há dez anos e narrada e analisada, com talento, através de um texto bem escrito, literário, autoral, franco. Rojo viveu longo tempo num “paraíso” e nos fala do seu olhar sobre a prática naturista nesse local, das pessoas que conheceu por lá, do que percebeu de tudo aquilo, e acabou somando, enriquecendo a boa coletânea de textos idôneos que existem, anotados, datados, sobre o Movimento. Como bem disse o amigo Edson Medeiros, membro como eu do ilustre “Conselho Consultivo da FBrN”, são muitos os olhares sobre o naturismo, muitos e diversos, e por isso mesmo esses olhares devem ser relativizados. Mas, dos contrastes e facetas surge a síntese inteligente, construtiva. Rojo, sem a preocupação de simplesmente inovar, é fundamentado, até criativo, sem perder a densidade, a referência. Rojo, em sua obra bem concebida, retrata grupos humanos, por acaso nus, circunscritos num espaço de escolha, e provoca releituras, reflexões. O foco do seu trabalho é composto pelos conceitos e estudos das “comunidades”, dos esportes, das “amizades” e do corpo. Sem ser naturista praticante, volta-se para o mundo do nu descomplicado, da nudez codificada que é a essência do viver naturista, e evita a comodidade do palpite e o pernosticismo dos julgamentos: fotografa. Fala até da filosofia e da história do naturismo de forma menos densa, pois não é o foco de seu trabalho, chegando a propor um exercício ao confrontar “natureza” e “naturismo”… Rojo é, sobretudo, mais um convite lúcido para a boa leitura, assim como Jean Deste, Ungewitter, Obergfell, Clapham e Constable, Gilbert Varet, Daniel de Brito, Osmar Paranhos, Luz del Fuego, Jorge Bandeira, Edson Medeiros, Celso Rossi, Evandro Telles e, modestamente, Paulo Pereira… Esses autores, afinal, pedem para ser lidos, especialmente nesse grande país meio surrealista onde ainda reina uma inquietante preguiça de ler.

 

Img: Arquivo JON

Colina do Sol, matéria de estudo

Julgo sempre muito importante que busquemos, em nossas atividades, o bom conhecimento, a referência datada e a experiência rica, notadamente no caminho de uma autêntica sabedoria. Seria, então, importante que sublinhássemos, aqui e agora, que o Naturismo (Nudismo Social Moderno) tem história centenária, rica, documentada, no Brasil e no mundo, à disposição do estudioso isento. O naturismo não é uma doce e permissiva utopia, onde muitos vivem de pretextos, delirantes, adjetivando o naturismo de forma descabida, talvez algumas vezes querendo viver de aparências, de teses oníricas. Na base, não há naturismo sem nudismo, e nudismo não é exibicionismo, pornografia, impulsividade vazia; nudismo não é hedonismo radical, não é botar a bunda nua na janela… O naturista é humano, não é um anjo assexuado, nem alguém, pueril, que rejeita o sexo e a sexualidade por nojos patológicos. A filosofia do Nudismo-Naturismo (é conceito oficial da I.N.F.) é apenas natural, como sabiamente colocou o notável W. Welby, recordemos.

 

A obra do amigo Rojo é um registro que soma, bem concebido. Agora, se a “Colina do Sol” é concretamente um “paraíso” e se os naturistas conscientemente se julgam seres puros, imaculados, inocentes e nus, eu não sei dizer, e estou certo de que Rojo também tem dúvidas…

 

Como biólogo, sem falar propriamente em nome da Biologia, e naturista conhecido, com sessenta anos de vivência no Movimento, prefiro caminhar do que fazer pilates, relembrar e reler Nutels, e aprender com meus irmãos índios, nus de verdade, a viver com simplicidade, talvez com sabedoria.

 

Img: Naturistas pelo Brasil

No friozinho desse inverno...

Todos nós, humanos, nascemos nus, conforme a natureza, e precisamos aprender a caminhar, a buscar, a mudar, a evoluir. Alguém, como anoto no meu livro “Sem Pedir Julgamentos”, página 84, como toda razão, observou que “há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo; esquecer os nossos caminhos, que levam sempre aos mesmos lugares. É tempo de fazer a travessia e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos”…

 

No friozinho desse inverno, longe das multidões barulhentas e agressivas, procuremos, no silêncio nobre, a verdade nua, a verdade que dispensa artifícios, pretextos e sofismas, a verdade inteira. E, então, eu ressalto, falando, por exemplo, especificamente a respeito do nudismo-naturismo, que não basta ver, olhar, fotografar o naturismo, ou o naturista, como diferente, até mesmo como algo exótico, o que suscita alarde, mas sim saber enxergar, perceber, inclusive, no caso, que os naturistas, em última análise ou numa avaliação sensível, respaldada, não são “diferentes”, apenas naturais, quer dizer, valorizam a verdade nua, o que a natureza manda.

 

Em tempo, quando alguns desavisados continuam insistindo em falar de “nudismo” e “naturismo”, como num confronto, de resto cansativo, certamente por falta de real conhecimento, de estudo sério, é bom acrescentar aqui e agora que “nudismo” veio bem antes de “naturismo”, e que não há naturismo sem nudismo. Lembremos igualmente a existência datada de várias obras clássicas sobre nudismo-naturismo, que anotam, em seus títulos, os termos “nudismo” e “nudista”: “Le Nudisme” de Jean Deste, e “As Nature Intended, A Pictorial History of the Nudists” de Clapham e Constable, 1982. Além disso, as denominações de várias federações internacionais filiadas à I.N.F. anotam igualmente os termos “nudista” e “nudismo” (Federação da Nova Zelândia e da Austrália). A Federação Alemã, mundialmente famosa, anota o termo “Freikorperkultur”, sem falar em “nudismo” ou “naturismo”. Os títulos das obras pioneiras de Ungewitter também não falam em “naturismo”: “Die Nacktheit”, 1904, “O Nudismo do Ponto de Vista Histórico, Moral e Estético”… Diante disso tudo será que é preciso dizer mais alguma coisa? É preciso ter cuidado para não fazer do “naturismo” um mero eufemismo para “nudismo”. É tempo de ler mais, de conhecer melhor, de dar, afinal, um basta sonoro na falsa erudição. O cidadão brasileiro, especialmente, precisa perder a mania de usar sempre um jeitinho, de criar invencionices e de proclamar disparates. Como diz Obergfell, só teremos uma prática nudista-naturista serena e forte quando considerarmos seriamente nossas raízes histórico-filosóficas. Não percamos um tempo precioso com a criação de polêmicas vazias, pseudo-acadêmicas, pois nossa tarefa é grande e precisa ser levada a sério com respaldo e objetividade. Lembraria ainda, de passagem, que na Flórida, EUA, existe há longos anos uma instituição nudista-naturista: a “American Nudist Library”, que é uma referência como centro de estudos e biblioteca, mais uma instituição que consagra o uso do termo “nudista” de forma correta, histórica. Reafirmo, ao encerrar, que a natureza, tão falada pelos naturistas, promove sempre o equilíbrio na diversidade, sem qualquer culto de subjetividades; ecologismo não é Ecologia, ciência… A prática nudista-naturista centenária deve ser apenas natural, sem invencionices.

 

Paulo Pereira

Junho/ 2013

Escritor, tradutor, biólogo,

o naturista mais antigo do Brasil.

Membro do conselho Consultivo da FBrN


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