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Jornal Olho nu - edição N°140 - julho de 2012 - Ano XII

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Naturalmente - julho de 2012

por Paulo Pereira*

 

Quando publico o meu livro “Sem Pedir Julgamentos – conforme a natureza”, Editora Livre-Expressão, 2011/2012, repito, ressalto o tema da natureza nua, da percepção em vez do simples olhar e da identidade humana sem conflitos com o natural.

 

Permaneço atento, e incomodado, por exemplo, pelos descaminhos do viver pleno e consciente. Volto a citar Martha Medeiros, cronista objetiva e talentosa, que repete observações corajosas a respeito de realidade e de artifícios… Há muita gente, como destaca Martha, que vive para os outros, para uma esfera artificial, vazia, promovendo, talvez, uma certa antropofagia virtual… É preciso distinguir o simples fato de existir da realidade de uma vida rica, produtiva, realizada. Martha comenta o excesso de tempo que muita gente passa na Internet, sem viver plenamente: “Descartes teria que reavaliar esse seu “cogito, ergo sum”, pois as pessoas trocaram o verbo pensar por postar”… E declara, lúcida: “Muitos jovens sem noção se deixam fotografar portando armas, fazendo sexo, mostrando o resultado de suas pichações, num exibicionismo triste, pobre, desvirtuado. São garotos e garotas que não se sentem com a existência comprovada, e para isso se valem de bizarrices na esperança de deixarem de ser “ninguém” para se tornarem “alguém”, mesmo que alguém medíocre… Gente que não percebe a diferença entre existir e viver.” É exatamente isso que procuro salientar, sobretudo, quando enfatizo um modo de vida natural, mais simples, mais realista, sem invencionices, sem excesso de artifícios, como, inclusive, propõe a centenária prática nudista-naturista. É bom pensar nisso, agora.

 

E, falando de um viver natural, que certamente não considera o tal sexo virtual, mergulho, de passagem, nas páginas de uma obra bem concebida e corretamente realizada, de autoria do sociólogo Paulo Sérgio do Carmo, sob o título de “Entre a Luxúria e o Pudor”, da Editora Octavo. O texto de Paulo Sérgio é vasto, focalizando com referência e talento inúmeros aspectos da questão sexual no Brasil. Como tenho anotado repetidamente a importância do respaldo e da volta atenta às raízes, especialmente quando comento os assuntos ligados ao naturismo, especialmente ao naturismo no Brasil, permito-me registrar sumariamente o que Paulo Sérgio escreveu sobre nudez e sexo entre os índios, e entre os primeiros colonizadores, sem esquecer os jesuítas… Já na introdução, o autor comenta: “A sexualidade é parte da história das grandes civilizações. Nesse sentido, somos herdeiros de um passado que ignoramos. Nosso comportamento sexual não se assemelha ao de outras nações… Nudez, poligamia e outros pecados chocaram os primeiros navegantes… A prática do sexo sem culpa e a facilidade com que as índias se entregavam aos brancos predispunham o europeu a se sentir totalmente livre… Para o senhor, todas as relações sexuais eram possíveis, e escravos e agregados não tinham condições de opor resistência aos seus desejos e vontades.” Percebe-se, então, de forma reafirmada, que a nudez está na base de nossa história, de nossa convivência. Nudez e sexo longe de simples tabus.

 

No Brasil, a nudez nos explica… As nossas raízes históricas, mais naturais e profundas, nunca encontraram, de fato, solo fecundo no pudor e no dogma. Como assinala adequadamente Paulo Sérgio do Carmo, sociólogo, a maior mistura étnica do mundo nos caracteriza… Afirma, então, Paulo Sergio: “Não se pode compreender a história do nosso país ignorando a história de nossa vida sexual”. E a questão do índio, dono efetivo dessas terras? O já citado Paulo Sergio nos lembra uma observação de Gilberto Freyre, em “Casa Grande e Senzala”, afirmando que “o ambiente em que começou a vida brasileira dói de quase intoxicação sexual”. Freyre, registra Paulo Sergio, é enfático: “O europeu saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios padres da Companhia (jesuítas) precisavam descer cuidado, senão atolavam o pé em carne”… Já Pero Vaz de Caminha sempre destacou nos seus textos a nudez natural de índios e índias. A natureza nunca cobriu ninguém… Mas volto a citar Paulo Sergio (Luxúria e Pudor), que se mostra preciso e direto: “Religiosos ou leigos, todos acentuavam o fato de os índios andarem nus, ainda que muitos considerassem o costume com naturalidade.

 

O horror que os jesuítas manifestavam ante a nudez, principalmente das parte genitais, parece mesmo ter antecipado todo o rigor de uma época de reformas, obcecada pelo pudor na ocultação dos corpos a ponto de algumas irmandades, na Europa, por aversão à nudez, chegarem até a proibir os religiosos de se banharem, salvo por recomendadas razões de ordem médica”. Essa estupidez é, pois, antiga. Mesmo durante o século XX, temos notícia de que, inclusive no Brasil, algumas religiosas (e noviças) tomavam banho usando uma espécie de camisola… Falta de higiene, pudicícia irracional, ignorância doentia e misticismo alienado, eis a questão! Por isso, também, muitos, ainda hoje, supervalorizam as roupas, os pudores, e, delirando, buscam subterfúgios, ou capas santas, quando tentam praticar o naturismo. Até quando? Naturismo budista, naturismo ateu ou naturismo cristão não passam de invencionices, de criatividade oportunista. Pseudo-conceitos, e práticas naturistas ideológicas ou religiosas, são fantasias, capazes até de desacreditar o naturismo histórico, real. Anotemos!

 

Volto ao texto excelente do sociólogo Paulo Sergio do Carmo, que anota a preocupação do padre Manoel da Nóbrega, citado no meu livro “Sem Pedir Julgamentos”, a respeito da nudez, do uso obrigatório das vestes. O padre jesuíta queria, a todo custo, vestir os índios, chegando a pedir o envio de roupas para coibir o que chamava de “novos convertidos”… Paulo Sergio é taxativo ao afirmar que os jesuítas trouxeram consigo o dito puritanismo e, mais que isso, uma firme atitude de total incompreensão diante da nudez, que diziam ofender a Deus, esquecendo-se, de forma incoerente e anticientífica, que todos os homens nascem nus, homens que eles, padres, dizem ser imagem e semelhança de Deus… Até hoje, existem muitos crédulos ignorantes que certamente pensam que os homens só existem há cinco ou seis mil anos, criados num passe de mágica, anjos de sexo decorativo. Em “Tratado Descritivo do Brasil”, por exemplo, segundo Paulo Sergio, Gabriel Soares de Sousa (1540-1591) chama os índios de pervertidos, de luxuriosos e adúlteros. Paulo Sergio comenta: “A falta de pudor na exibição dos corpos nus, mais a licenciosidade e o apego à vida considerada promíscua pelos colonizadores, tudo isso parecia comprovar, aos olhos dos primeiros cronistas, a submissão que nossos índios prestavam ao demônio”… A estupidez é antiga!… Até hoje, muita gente, tida como culta e religiosa, continua acreditando em demônios, vendo demônios na nudez humana, no sexo. Isso é uma vergonha!

 

Em seu ótimo texto, Paulo Sergio acrescenta: “Assim como os homens, as mulheres andavam nuas e retiravam todos os pelos que cresciam, inclusive cílios e sobrancelhas. A nudez, a sexualidade e a beleza física dos índios provocavam a libido de alguns religiosos, havendo aqueles que se autoflagelavam como forma de recalcar os impulsos pecaminosos. Os corpos nus dos índios eram uma tentação contra a castidade”. Nudez e sexualidade, termos certamente vinculados à prática nudista-naturista bem concebida e respaldada, história e conhecimento, são questões fundamentais, que pedem estudo e reflexão sempre. Quando se fala tanto em direitos iguais para todos, em civilização igualitária e sustentável, é mister considerar, ainda, que o pleno exercício da sexualidade, da orientação sexual, deve ser colocado de forma isenta, científica. O mencionado sociólogo, Paulo Sergio do Carmo, fala sobre o que chama de desnorteadora homossexualidade entre os índios, referindo-se ao espanto dos viajantes e padres. Diz, então, Paulo Sergio: “Navegantes e jesuítas ficaram espantados ao encontrar alguns índios praticando a homossexualidade e também mulheres indígenas que se entregavam umas às outras em relações homoeróticas… Entre os tupinambás, a relação homoerótica não era motivo de recriminação propriamente dita, embora certos efeminados (tibiras) da cultura nativa fossem sujeitos a certo desprezo, menos por suas preferências sexuais do que por lhes faltarem aptidões guerreiras; outros, porém, eram bastante respeitados, a exemplo dos pajés… Mas a luxúria dos colonizadores, soltos sem família no meio de índias nuas, servia também a poderosas razões de Estado, que ansiava pelo rápido povoamento mameluco da nova terra”…

 

É tempo, pois, de enxergar a nudez e a sexualidade através do prisma do conhecimento histórico-científico, evitando conscientemente o viés preconceituoso, místico, tendencioso, mal informado, trevoso. A nudez, não só no Brasil, nos explica por inteiro, nós que, primatas, nascemos nus e nus permanecemos para sempre por baixo das roupas impostas, impermanentes.

 

Rio de Janeiro, 2012

 

*Paulo Pereira

Escritor, tradutor, biólogo,

o naturista mais antigo do Brasil.


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