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Jornal Olho nu - edição N°137 - abril de 2012 - Ano XII

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Naturalmente - Abril 2012

por Paulo Pereira*

É chegado o outono, afinal, tempo certamente de noites mais frescas, de sono mais sereno, longe do calor afoito do verão das inquietudes, das festas barulhentas e das paixões súbitas… Tempo, talvez, de um pouco de silêncio nobre, na busca possível da sabedoria. Seria oportuna, de novo, uma grande reflexão, que valorizasse a realidade objetiva e a identidade pessoal e social.

Michel Melamed (See, Watch, Look), muito lúcido, consegue perceber com nitidez a nossa cara, a nossa realidade, e recusa acostumar-se à “normalidade” da grande violência de nossos dias. Há, segundo Melamed, um enredo de enganos e de meias-verdades, que precisa ser desmascarado, porque é falacioso. Comenta, então, Melamed (O Globo, Segundo Caderno, 21/2/2012): “Você pega qualquer veículo de comunicação e a gente vê que a sociedade brasileira é comprometida em todos os segmentos. Cadê essa sexta economia do mundo? Que enredo é esse?… O nível de truculência e brutalidade generalizada nesse país não é normal”. Essa festejada sexta economia mundial (?) nem chega perto da renda per capta do Reino Unido, por exemplo, nem do índice de distribuição de renda, nível de mão-de-obra qualificada, de alfabetização efetiva, de assistência médico-hospitalar para a população, transportes de qualidade, segurança pública, índice de homicídios, etc... Em vez de falas demagógicas, de meros desfiles e de oportunismo político, como sugere Melamed, precisamos de educação, de coragem para mudar, de manifestações respaldadas, referendadas. É importante, inclusive para os amigos naturistas, procurar identidade, referência histórica, saber a que se ater, configurando atitudes claras e serenas. Pensemos nisso!

Img: http://www.rac.com.br

Mary del Priore

Quando voltamos nosso olhar perceptivo para a boa prática nudista-naturista, com historicidade, é mister não perder o foco. Sabemos que nudez e sexualidade andam juntas, e cabe desconstruir tabus e preconceitos. Pensando nisso, cito o texto de Mary Del Priore, Editora Planeta, sob o título de “Histórias íntimas, sexualidade e erotismo na história do Brasil”. Recomendo, com ênfase, uma leitura atenta, pois Del Priore mostra talento.

Já no prefácio do livro, sublinho as palavras sábias e elegantes do velho escritor, o saudoso Moacyr Scliar, assíduo freqüentador da famosa Livraria Leonardo Da Vinci, Rio de Janeiro. Scliar ressalta que Mary Del Priore faz história buscando o lado humano e, sempre brilhante, prende a atenção do leitor até a última página… Comenta Scliar: “A autora aborda uma variedade de assuntos: a relação entre colonizadores, índios e escravos, a nudez e o pudor, os afrodisíacos, a repressão inquisitorial, a homossexualidade, a prostituição, o uso da lingerie, o teatro de revista, a educação sexual, o aborto, a folia carnavalesca,a pedofilia, a pílula anticoncepcional, a revolução sexual, a erotização da publicidade, o movimento feminista, a censura ditatorial”… Essa variedade de assuntos é rica e pertinente, sobretudo na medida em que procuramos debater, com conhecimento, nossas histórias íntimas, nossa nudez natural, nossa sexualidade, viés esse, inclusive, que tentei sublinhar em várias partes do meu livro “Sem Pedir Julgamentos”, pela Editora Livre Expressão, 2011.

Foto: Jackson Romanelli

http://www.sempreumpapo.com.br

Mary del Priori fazendo palestra sobre seu livro

Ressalta ainda, em cores vivas, a necessidade de separar corpo e pecado, ciência e mito, natureza e dogma. Parece mesmo que a sociedade vestida e conservadora, hipócrita, continua perseguindo o controle do prazer, do viver natural, do sexo, da nudez sem culpa ou pecado. Lembremos aqui, de passagem, que o bicho-homem não tem cio, e não faz sexo somente para procriar… O corpo natural deve estar sempre coberto? A quem interessa o pudor como lei, a dita pudicícia castradora, a homofobia como regra moral? É bom, ainda, levar em conta, por exemplo, que a nudez não deve ser nem castigada nem banalizada, comercializada. A chamada filosofia do nudismo, repito, é apenas natural, como disse W. Welby, sem adjetivações sectárias, ideológicas ou religiosas. As nossas velhas histórias íntimas, e Mary Del Priore haveria de concordar, acabam evidenciando, em síntese, que jamais o bicho-homem conseguiu ignorar cabalmente sua verdade natural, pois o homem elucubra e fala, tagarela, mas nasce sempre nu, urina, defeca, espirra, dorme, copula e morre como qualquer outro primata…

Por outro lado, vale notar que, entre nós brasileiros, são muitos e freqüentes os desencontros e as contradições, o que costuma confundir, talvez, a nossa boa percepção da realidade objetiva, natural. O notável antropólogo e sociólogo Darcy Ribeiro, em “Utopia Selvagem”, Editora Leitura, destaca as coisas que edificam um contraditório Brasil: “A mocidade permissiva e a velhice debochada, a machitude crepuscular e a bichice florescente, o feminismo salvacionista e o autarquismo sexual, a Funai perseguindo índios para sustentar ex-coronéis, a queimada das matas e o movimento ecológico, a negritude emergente e a branquitude ressentida, a contaminação industrial e a qualidade de vida, o militarismo civilista e a democratização autoritária, a majestade da justiça e os esquadrões da morte, o pau-de-arara nordestino e o bóia-fria sulino”… Eis um punhado de oportunas reflexões. Por isso tudo, considero indispensável ir além das superficialidades, do excesso de informações, e buscar o real conhecimento.

Na excelente obra já citada, a estudiosa Mary Del Priore, sagaz e objetiva, conclui seu eloqüente texto histórico-filosófico: “E quem somos nós? Indivíduos de muitas caras… Amigos de gays, mas homofóbicos. Exigentes na cobrança de direitos, mas relapsos no cumprimento de deveres… Divididos entre a integração e a preservação de nossas múltiplas identidades. Na intimidade, miramos nossas contradições”. Mas seria importante ressaltar que contradição nem sempre leva à sabedoria. Fica quase sempre em mim, nas lidas do dia-a-dia, a firme impressão de que o homem é muito mais antítese do que síntese. O Homo sapiens, primata paradoxal, fábrica criativa de deuses e mitos, cruel e dissimulado, veste mil disfarces, mas volta sempre às origens, à terra. Morto, acaba nu até os ossos, sem lugar para pudores, como os demais primatas ditos irracionais… Um pouco de silêncio e de reflexão, nessas noites frescas de outono, pode, afinal, ajudar muito a construir o que entendemos, em princípio, como sendo a sabedoria, a utilização adequada e superior do real conhecimento.

*Paulo Pereira

Escritor, tradutor, biólogo,

o naturista mais antigo do Brasil.


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