A
força de uma imagem vale por mil palavras. A mídia de um modo geral
trabalha com a nudez de forma bastante curiosa, subvertendo seus valores
a partir do que encara como conceito estabelecido e regras de
comportamento que são perpetuados por nossa sociedade dita civilizada. A
nudez, então, é colocada numa situação de encruzilhada conceitual, ao
sabor das celeumas e impactos causados pelo corpo nu, seja de homem,
mulher, criança ou idoso. É esta capacidade de infringir suas amarras
que me detenho a refletir sobre a condição da nudez nesta mídia
contemporânea.
Um
corpo esbelto de mulher numa passarela é tido na mídia, geralmente, como
sinônimo de beleza, não se pode contestar este fato. Mesmo que por trás
desta valorização exista uma poderosa indústria da moda, dos cosméticos
e dos reguladores de apetite e demais soluções mágicas para o
emagrecimento, com satisfação para todos os padrões sociais, do pobre ao
rico, todos podem ter este direito benéfico ao corpo das modelos das
passarelas. Gisele é o ícone do século XXI como padrão a ser alcançado,
muitas das vezes buscando-se a terrível lógica de Maquiavel de “os fins
justificam os meios”.
Intervenções
cirúrgicas e de toda espécie, com uso de drogas poderosas para inibir o
apetite estão nos anúncios das mídias, em todos os lugares. O fato é que
a nudez, dentro destes valores, torna-se uma nota pálida de rodapé, e
quando é alçada para questões centrais dos noticiários o que encontramos
são situações em que esta nudez é afrontada e violentada no que tem de
mais visível, qual seja, o modo como o olho observa esta nudez.
Podemos
elencar várias situações, que para os historiadores da escola das
mentalidades, que buscam uma visão mais abrangente sobre a História do
Corpo, da Nudez e do Pudor, se debruçam com análises documentais,
especialmente com o que a ciência histórica nos legou no campo da
iconografia, onde a fotografia e a arte dariam este testemunho seguro
sobre estas “visualizações emergentes” da nudez através dos fatos
históricos. Umas destas mais caras iconografias fotográficas são as
conhecidas e divulgadas fotos dos campos de concentração na Segunda
Guerra Mundial (1939-1945). Todas as imagens remetem, inapelavelmente, a
práticas humilhantes, sádicas, perversas, dos nazistas para com os
prisioneiros judeus. Poucos lembram que a perseguição nazista também
incluiu aos negros, homossexuais e ciganos, considerados como raças
abjetas e que deveriam, como os judeus, também serem alvo da “solução
final”.
A
nudez das fotos dos prisioneiros nus criou no imaginário coletivo uma
situação onde estar nu é humilhante, é a ante-sala da morte, é um ato de
agressão ao ser humano. Até nisso os nazistas trouxeram de negatividade,
ao perpetrar estas imagens, usadas e abusadas em fotos e filmes, onde a
nudez causa um verdadeiro asco, o que não poderia ser diferente. Podemos
colocar no rol das vítimas do nazismo mais uma, também negligenciada, a
nudez, que foi vilipendiada pelos asseclas do ditador Adolf Hitler.
Curioso lembrar que o mais importante fotógrafo das multidões nuas,
Spencer Tunick, numa recente entrevista, colocou que prefere usar fotos
coloridas em suas obras onde retrata muitos nus do que as em preto e
branco, pois para ele as pessoas já “cravaram” em seus inconscientes que
muita gente nua, juntas uma das outras, lembraria os campos de
concentração durante a Segunda Guerra, o que repercute a visão dos
historiadores quanto ao poder das imagens em nosso inconsciente. A nudez
foi estigmatizada, portanto, na Alemanha nazista, na Rússia Bolchevique,
ou na base
norte-americana de Guantánamo. O ódio contra a nudez não tem ideologia.
Nudez
seria, nesta visão, motivo de sofrimentos e torturas. Sobre Guantánamo,
não esqueçamos, foi fartamente utilizada as fotos das torturas com os
prisioneiros nus, amontoados, servindo de cadeiras humanas, com ferozes
cães na eminência de dilacerar seus genitais, enfim, um mar de
atrocidades, onde mais uma vez a nudez exposta foi modelo de expiação,
de culpa, de perseguição.
No
viés da escola das mentalidades, no campo da ciência da História, todos
estes fatos, levados à mente humana de forma intermitente, causam uma
sensação de repulsa não só pelo ato, mais para a forma eminente do ato
que começa e emerge, lógico, pela visualização de um corpo despido. O
corpo nu, então, já começa a ser violado no simples fato de sua
exposição, a primeira mensagem, que se torna subliminar pelo poder da
ação é clara: não fique nu, você corre perigo.
O
que coloco para refletirmos é que esta nudez é a vítima principal, se
formos entender este propósito de uma nudez natural como necessária e
benéfica ao ser humano. Pode parecer estranho num primeiro momento da
análise, porém a avalanche de nus em posição pejorativa e depreciativa
nos indica que o cartão de visita do homo sapiens, o seu corpo nu,
natural, carrega um estigma de expiação e pena que ultrapassa etapas
históricas.
Basta recuarmos para o período
medieval e visualizarmos as formas de tortura, geralmente colocadas suas
vítimas, como as bruxas, por exemplo, nuas e em estado de provações
físicas extremas e humilhações, culminando com a execução brutal na
fogueira da Santa Inquisição. A nudez dos prisioneiros de Guantánamo só
comprova aos historiadores que não se vinculam ao materialismo histórico
que o objeto de estudo NUDEZ também é um poderoso documento para a
compreensão desta História negligenciada, onde a nudez é vista de forma
obtusa, eclipsada por momentos de rebaixamento do ser humano, e onde
esta mesma nudez, atacada por todos os lados, consolidaria seu conceito,
dentro de nossa sociedade, como algo a ser ultrapassado, tendo em conta
o grau elevado de humilhação a que todo ser humano estaria sujeito ao
ter seu corpo nu exposto, valendo isso para situações extremas de
violência, ou no campo mais plausível de todos nós, ultrapassando a
familiar porta de nossos quartos, onde nossa nudez poderia ser vítima
dos olhares inquisidores dos mantenedores da “conduta correta” e da
postura aceitável na sociedade em que vivemos, ou sobrevivemos.

*Jorge Bandeira é amazonense
de Manaus,
historiador, graduado e
pós-graduado pela
Universidade Federal do
Amazonas.
Manaus, 09 de março de 2011.
(enviado em 9/03/11)
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