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Jornal Olho nu - edição N°114 - maio de 2010 - Ano X

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Naturalmente - maio 2010

Por Paulo Pereira*

 

 Andam dizendo que esse nosso outono está, sobretudo, atípico: calor exagerado, águas furiosas, ventos brabos, enchentes, deslizamentos, mortes... E, como de hábito, alguns buscam incansavelmente explicações sobrenaturais. Muitos afoitos falam, alienados, em culpas e pecados humanos, numa cansativa e mal respaldada visão antropomórfica. Mas, repito, a natureza soberana não pede julgamentos nem aceita palpites. Os terremotos e os vulcões, por exemplo, são resultado da ação humana? Desde quando, cientificamente, a natureza do planeta Terra é calminha, complacente, simétrica e moralista? O que falta à maioria é conhecimento. Mas sobram, por certo, incompetência e demagogia. Os homens são cabritos para habitar encostas? Até quando vamos ignorar a natureza?

 

E, no meio de tantos desencontros e disparates, há quem consiga a boa observação. Arnaldo Jabor, em “O Globo”, 20/4/2010, percebe sombras sutis nos olhos do polêmico Papa Bento, o velho alemão conservador dos tempos (“Juventude”) de Adolf Hitler. Diz, então, Jabor: “Os olhos do Papa me inquietam. São olhos frios, perscrutadores, inquisitivos (olhos da “moderna inquisição”?)... São olhos desconfiados, olhos onde há medo das mutações do mundo”. Eu diria que são olhos plenos do medo das verdades, das verdades que os dogmas e as intolerâncias escondem... Religião de um lado e ciência de outro? A natureza é inconstante, amoral, evolutiva, indomável.

 

O notório é que temos tempestades e devastações naturais e, tristemente, os conflitos, as arrogâncias, as hipocrisias e as crueldades dos homens também. Nesse outono de águas incontidas e de cinzas vulcânicas, os seres humanos, esses primatas paradoxais, têm sentido a força da natureza. A estrada que liga a Prainha à praia de Grumari (Abricó) está quebrada, parcialmente destruída, interrompida. No próximo mês de junho, chegam o inverno e os jogos da copa do mundo. Com um pouco de frio, futebol arrebatador e alguns caminhos fechados, talvez chegue a hora propícia para uma boa meditação, inclusive por parte dos naturistas desse país. Que tal uma boa reflexão sobre os meios, métodos, razões, postulados, leis, ciência e crendices? A prática naturista poderia se beneficiar através de um esforço de aferimento de bases e enfoques? Quem tem medo da voz da natureza? Quem tem medo dos valores naturais? Quem tem medo da nudez? O naturismo pode conviver com qualquer tipo de violência ou de arbitrariedade? A nudez, que é natural, pode ser colocada como opcional ou obrigatória? Qual o verdadeiro conceito de “praia livre”?

 

Por outro lado, é necessário ter cuidado com o preciosismo, a pseudo-erudição e, sobretudo, com a eterna discussão sobre o sexo dos anjos... Jabor, por exemplo, nos lembra que “só os anjos não têm sexo”. È indispensável perceber, mais do que nunca, que o naturismo é apenas natural, como bem disse W. Welby. A nudez do bicho-homem é tão natural quanto os terremotos e os vulcões. Por isso, naturismo não rima com artificialismo, com oportunismo ou autoritarismo! O companheiro Evandro Telles cita o velho Dalai Lama, que anota sabiamente que os homens vivem como se nunca fossem morrer. A certeza da finitude costuma gerar delírios, que se fazem acompanhar não raramente por dogmas e lendas, sempre carregados de preconceitos e portarias. Mas a natureza ignora as sutilezas do homem. Os homens não são anjos...

 

Nas noites frias do próximo inverno, reflitamos com seriedade sobre os caminhos e atalhos de nossa prática naturista, buscando harmonia em lugar de transtornos.

 

De novo, recorro ao Evandro Telles, que adverte: “Somos seres naturais”! Somos, pois, parte(s) da natureza e não podemos suplantá-la. Quando não respeitamos a nudez, seja de que maneira for, contrariamos um valor natural, rejeitamos nossa própria essência e aparência. O naturismo tem uma tradição histórica com a não-violência, com o culto inteligente da natureza nua e não pode jamais ser pretexto para transbordamentos. Que no silêncio cultuado em nossas horas serenas de recolhimento e descanso, possamos avaliar bem nossos propósitos e ações, porque a vida naturista supõe ética adequada, mas jamais moralismos ou imposições. Naturismo não é ideologia!

 

Parece-me importante, ao finalizar esse papo de quase inverno, mencionar uma boa fonte: refiro-me enfaticamente à obra de William Welby sob o título de “It’s Only Natural - The Philosophy of Nudism”. Welby afirma com simplicidade valiosa: “Nós todos nascemos sem roupas... As crianças deliciam-se ao livrar-se das roupas sempre que surge uma oportunidade; é natural para elas até que sejam ensinadas a fazer o contrário. E o que pode ser mais natural do que os animais, por exemplo?”. Embora eventualmente padres, pastores e aiatolás não concordem, os corpos nus, título por acaso do meu livro, são obras da natureza indomável, livre, inclusive pelo conceito do que seja natural, de qualquer julgamento. Ponto. É indispensável fazer valer o que está posto no título da consagrada revista naturista-nudista da década de 50: “Saúde e Nudismo: mente sã num corpo são”. Mas sempre sem confusões, naturalmente.

 

Paulo Pereira

Maio/2010

 

*Paulo Pereira é biólogo,

estudioso do naturismo e

ex-presidente da Rio-NAT

ppalbion47@yahoo.com.br


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