') popwin.document.close() }

Espanha naturista: diário de viagem

 

por Pedro Ribeiro*

 

foto: Marcelo Pacheco

Eu em frente à praia de El Portus. O camping naturista está ao fundo.

Confesso que minha viagem à Espanha, para acompanhar os trabalhos do XXX Congresso Internacional de Naturismo, em Cartagena, foi precedida de muita expectativa. Primeiro por ser a primeira vez que eu visitaria o país, ao qual sempre sonhei em fazer. Segundo porque as notícias que nos chegam a todo momento dão conta de um país muito liberal no tocante à nudez, inclusive a pública. Levou-me a crer que não seria muito difícil encontrar pessoas despidas circulando tranqüilamente pelas ruas, ou pelos parques, como não é incomum em algumas cidades da Alemanha, por exemplo.

 

Vou relatar a seguir como foi minha viagem a este país, com história milenar e com muitas tradições divulgadas no mundo inteiro, o qual segundo estatísticas é o que mais recebe turistas em todo mundo.

 

Desperta curiosidade por ter tido décadas de repressão ditatorial nos costumes, com forte influência da Igreja Católica sobre o povo, e, de uma hora para outra, aos meus olhos, deixou de ser um país onde tudo era proibido para outro permissivo.

 

foto: Pedro Ribeiro

O enorme avião das Aerolineas Argentinas que nos carregou até Madrid. Sufoco.

Um país em franca expansão econômica, que até bem pouco tempo atrás era considerado o primo pobre da Europa, com índices parecidos com os de alguns países de terceiro mundo.

 

Minha chegada em Madrid ocorreu no dia 6 de setembro, numa jornada conturbada, com vôos com horas de espera de conexão. Saí do Rio de Janeiro às 22 h do dia 4, e quase 48 horas depois cheguei ao destino. Não recomendo a ninguém fazer o que fiz. Ir a Madrid, via Buenos Aires, cujo vôo para esta cidade parte de São Paulo. A chegada em Cartagena, cidade espanhola sede do Congresso ocorreu pouco mais da meia-noite, após uma confortável viagem de trem, já no dia 7!

 

Pela manhã parti do hotel rumo ao El Portus de táxi. O dia estava claro e observei as ruas e paisagem no trajeto. Lá não era feriado como no Brasil, mas as ruas me pareceram bem desertas. Percebia-se nitidamente que já não chovia há um tempo considerável, pois os jardins e montanhas que circundam a cidade estavam com tom bem amarronzado.

 

foto: Pedro Ribeiro

Cartagena, cidade onde situa-se El Portus, teve influência romana como atestam as descobertas arqueológicas e este anfiteatro.

Procurei, mas não vi ninguém sem roupas pelas ruas, nem sequer sem camisa ou top-less apesar da temperatura alta.

 

A chegada ao El Portus mostrou-me uma paisagem diferente daquela que estava acostumado ver nos cartões postais e páginas na Internet: as montanhas estavam sem nenhum verde. O táxi me deixou na portaria do clube e, já via os primeiros sinais de mais liberalidade: havia pessoas nuas circulando do lado de fora da portaria. As atendentes todas estavam vestidas.

 

Recebi a indicação de onde eu deveria me acomodar, mas a procura de onde era meu chalé foi um tanto conturbada pois me achava perdido em meio a tantas e tantas ruas, barracas, trailers e espaço. Quem me salvou foi a sorte de ter cruzado com a amiga Regina, esposa do também amigo Vanderlei Castresano, que passeava faceiramente com seu cãozinho Big pelas ruas do clube, o qual a esta altura já o considerava uma cidade. E foi o Vanderlei que me ajudou a encontrar minha residência dos próximos dias.

 

O chalé era constituído de dois quartos, sala, cozinha e banheiro, muito bem distribuídos no pequeno, mas confortável, espaço. Inicialmente eu o dividiria com André Herdy e um outro brasileiro, João Carlos, que não compareceu. Portanto somente eu e André fizemos a ocupação. Naquele momento não havia ninguém.

 

foto: automática

Um dos quartos do chalé onde eu e André Herdy ficamos instalados.

Em frente ao nosso chalé estava acampado Marcelo Pacheco, que aproveitou das facilidades do chalé para manter seu site Brasil Naturista atualizado, usando seu lap-top e a Internet sem fio.

 

Depois de eu ter me instalado e me posto nas "roupas oficiais" de um local naturista comecei a exploração do imenso lugar, também na tentativa de encontrar os demais membros da delegação brasileira. No caminho encontrei o restaurante principal e dentro dele as pessoas que procurava: André, José Damasceno, presidente da Sonata (Tambaba), Elias Pereira, presidente da FBrN, e a esposa Lili,  João e Catarina, um casal amigo de Brasília.

 

O restaurante, aliás como em todo o Camping, é de freqüência mista, ou seja, pode-se ficar nu ou vestido. A única exceção é a piscina, onde o uso de roupas é proibido. Mesmo assim o número de vestidos é infinitamente menor que o número de nus. Todos os funcionários ficam vestidos. Mas isto não parece incomodar ninguém. Há uma boa convivência entre nus e vestidos e não há menor tipo de tensão. Tudo parecia muito natural.

 

Depois do almoço, um passeio rápido pela praia para ter as primeiras impressões. Ela fica exatamente em frente ao Camping-cidade, e no primeiro momento parece ser privativa. Não é. Há acessos pelos morros que a cercam. Não há areia e sim pedrinhas, que de longe pareciam conchinhas. Na beira da água as pedras crescem de tamanho e elas acabam por machucar os pés desacostumados de quem entra e sai da água. A água estava transparente, fria suportável. Nesta quinta-feira a frequência era pequena. Havia somente uma pessoa vestida para umas cinquenta nuas.

 

foto: Marcelo Pacheco

Hotel do Camping, onde funciona também uma academia com aparelhos de musculação e sauna, além de uma piscina .

Os trabalhos do Congresso começaram e minha viagem turística pelo local teve que ser adiada para após o jantar. À noite, um pouco mais fresco, muita gente vestida e uns poucos nus. Neste momento é que veio em minha cabeça a questão será que é assim em toda a Espanha, nas ruas e logradouros comuns, pode-se ficar nu ou vestido como se bem quiser?

 

Os outros dias no El Portus foram a rotina de praia, congresso e restaurantes. O dia em que a praia mais teve gente foi no sábado. cerca de 200 pessoas compareceram e contei umas quatro vestidas, sempre juntas a grupos de naturistas. Adolescentes eram poucos, tanto na praia como dentro do camping. E nus geralmente não estavam. As crianças, nuas, no entanto estavam totalmente liberadas, andando de bicicleta, correndo, pulando na piscina, brincando.

 

El Portus é composto também de uma grande área com construções mais sólidas, com casa de alvenaria, que são residências de verão de alguns proprietários estrangeiros, ou residência fixa de pessoas que trabalham fora do camping, mas todo dia vão e voltam. Há também um hotel, um mercado com todos os produtos de primeiras necessidades, uma academia de ginástica e musculação com sauna, hidromassagem e massagem, duas piscinas, dois restaurantes, lavanderias comunitárias e muitos banheiros espalhados por todo canto. Constantemente eu me perdia para achar o caminho de volta ao meu chalé saindo do salão de convenções.

 

 

foto: Guia do city-tour

Parte do grupo de congressistas que realizou o city-tour presenteado pela prefeitura de Cartagena

Graças a uma cortesia da Prefeitura da cidade de Cartagena, congressistas e convidados ganharam um city-tour pela cidade. Foi muito bom. Passeamos de barco pela baía e deu para perceber como era feita a segurança nos tempos medievais: muitos castelos e cerca de muro de pedra. Essas ruínas existem até hoje. Há muitos vestígios da presença romana, com seus anfiteatros e arenas e da presença moura, no estilo decorativo de muitos prédios e igrejas. A cidade não é muito grande mas tem toda a infra-estrutura necessária para uma vida digna. Pelas calles também não reparei ninguém nu.

 

Após este magnífico passeio, uma surpresa, fomos todos levados para um jantar em um hotel 4 estrelas superior, no centro da cidade, e lá foi servido, em um ambiente refinado, iguarias de primeira linha, regado a vinhos branco ou tinto. Maravilhoso.

 

No sábado à noite uma festa no camping dava o tom de encerramento da jornada no local. Muita dança proporcionada por uma banda convidada não naturista. Mas aos poucos os naturistas tomaram conta do palco, mas a banda continuou têxtil.

 

No domingo, 10, deixei o camping à tarde e fui para um hotel da cidade. À noite fiz mais um giro pelo bonito centro da cidade e me preparava para, no dia seguinte, partir para Valência, onde, eu sabia, havia uma outra praia naturista.

 

foto: Pedro Ribeiro

Sala de recepção da sede da  prefeitura de Valência

A viagem de trem para Valência foi confortável e demorou cerca de 4 horas e meia. à primeira vista era uma cidade muito grande, com certeza bem maior do que Cartagena. Dirigi-me à casa de um amigo, Marcos, brasileiro, que já mora aqui há três anos. Já era de tarde, então resolvi neste dia fazer uma passeio pelo bonito centro da cidade, em vez de ir à praia.

 

As características arquitetônicas são muito parecidas com as de Cartagena. Aliás toda essa região teve histórias semelhantes: cidades originadas de núcleos pré-cristão, depois dominadas por Romanos, Mouros, anexação ao reino espanhol e orgulho de sua nacionalidade catalã. Tudo isso deixou muitos vestígios e informações sobre épocas passadas. É interessante notar que tudo nas ruas, nos trens e metrôs têm informações em dois idiomas: o castelhano (espanhol) e o catalão.

 

Foi nesta cidade, que vi pela primeira vez alguns poucos jovens andarem sem camisa pela ruas. Raríssimo. Meu amigo explicou que andar sem camisa não é bem visto pela sociedade, muito embora trocar a roupa toda em um estacionamento ou na própria praia não naturista, colocando as roupas de banho, é corriqueiro. Coisas da cultura.

 

foto: Márcio Moço

Visita ao centro oceanográfico

Na terça-feira a decepção. O dia que eu havia reservado para ir à praia amanheceu com chuva forte. Mudança de programa. Mais uma vez passear pela cidade, andando de metrô de superfície e ônibus de turismo. Conheci o parque oceanográfico, imenso, bonito e muito interessante. À noite, jantar em um restaurante chinês (pecado: comer comida chinesa na Espanha!) para comemorar o aniversário de um outro amigo, que me fez companhia por toda a viagem, Márcio.

 

Na quarta-feira já estava marcado para irmos para Barcelona, à tarde. O plano era, se o tempo permitisse, ir à praia de nudismo em Valência pela manhã. Um brilhante e maravilhoso sol iluminou nossa manhã, mas meu organismo não quis cooperar. Acordei passando mal do estômago, com náuseas e total indisposição. Fiquei devendo conhecer a praia.

 

À tarde já refeito, partimos para a estação de trem. Mais uma surpresa. O trem havia sido cancelado porque as chuvas do dia anterior haviam causado estrago considerável na linha. Resultado: todos os passageiros foram transferidos para ônibus, os quais realmente não correspondem ao mesmo conforto dos trens.

 

foto: Pedro Ribeiro

Barcelona com seus castelos, palácios e monumentos é destino imperdível. Mesmo com chuva.

Chegamos em Barcelona com um grande atraso, devido a grande engarrafamento na entrada da cidade. Depois de nos localizarmos e nos entendermos fomos para o hotel já reservado, que era do outro lado da cidade, porém bem próximo ao famoso parque Goeldi, onde estão localizadas boa parte das obras de Gaudí, o maior artista, escultor e arquiteto catalão.

 

Na quinta-feira, 14 de setembro, o tempo não estava bom para ir à praia e fomos conhecer a incrível cidade de Barcelona. Uma verdadeira torre de babel, com os mais diversos idiomas sendo falados pelas ruas, originados por turistas de toda parte do mundo, mesmo! É uma grande metrópole que sabe muito bem se organizar para o turismo. São inúmeras as atrações. Aqui também se repetem as características das cidades visitadas anteriormente, porém com muito mais vigor e ousadia. O que falar, por exemplo, da Catedral da Sagrada Família, obra incompleta de Gaudí? Monumental com seus mais de 80 metros de altura. Impressionante. Ou das obras do parque Goeldi, sem qualquer similar no mundo com suas esculturas decoradas com pedacinhos de azulejos?

 

foto: Pedro Ribeiro

A forma e a monumentalidade da Catedral da Sagrada Família impressionam.

São ruas largas com monumentos em toda a parte. Muitos parques, praças e jardins. Todos muito bem tratados. Apesar de todo movimento de pessoas, ruas limpas, graças à educação popular. É um brinco, que vale a visita, mas que tem as mazelas de uma cidade grande. Deve-se ficar atento com os batedores de carteira. Bolsas e mochilas devem ficar viradas para a frente, principalmente nas estações do metrô. E muito cuidado com as carteiras no bolsos de trás das calças. Perdeu! Bem, ao menos é sem violência.

 

Pensei mais uma vez que ia ficar sem visitar uma praia de nudismo, por causa do tempo. Mas a sexta-feira amanheceu clara e lá fomos nós, eu e Márcio, para Mar Bella, a praia naturista oficial.

 

A localização desta praia é surpreendente. Fica a uns 3 quilômetros do centro velho de Barcelona. É cercada por um parque tipo Parque do Flamengo, para quem conhece aqui no Rio de Janeiro, com muitas áreas de lazer para crianças e jovens. Atrás do parque, separada por uma avenida, é a cidade residencial com muitos prédios e algumas poucas lojas. No lado esquerdo da praia há um pequeno shopping center e um restaurante.

 

foto: Márcio Moço

Mar Bella, a praia naturista do centro de Barcelona.

Na areia de Mar Bella há guarda-vidas, chuveiros, banheiros, vestiários com armários onde pode-se deixar as roupas e um pequeno restaurante. Não há comércio ambulante. Mas podem-se alugar cadeiras de praia, tipo espreguiçadeira. Também vi uma mulher oferecendo massagens (de verdade!).

 

Era uma sexta-feira nublada e dia normal, dia de trabalho. A frequência não era muito grande pela extensão da praia. Pelos meus cálculos havia cerca de 60 pessoas. O nudismo não é obrigatório. Mas cerca de 70% estavam nus. Algumas mulheres sozinhas e nuas, sem ser importunada por espertos conquistadores ou pelos desagradáveis bisbilhoteiros. Havia muito mais homens que mulheres.

 

Aqui notei a presença grande de jovens, não adolescentes, mas na casa entre 20 e 30 anos. O ambiente era de tranquilidade e harmonia. Conheci um pequeno grupo de rapazes e moças que chegaram à praia e foram direto mergulhar e nadar no tranquilo mar. Quando voltaram notei que falavam português. Era um grupo misto de brasileiros, espanhóis e de outros países latino-americanos. Todos residentes.

 

Satisfeita minha curiosidade pela praia voltamos andando pelo "calçadão", à beira-mar pelas outras praias, em minha obsessão de descobrir se afinal há nudistas ou naturistas fora das áreas demarcadas para o naturismo. Embora as outras praias estavam até bem menos cheias do que a de nudismo, ainda não foi desta vez que constatei que é possível ficar nu em qualquer lugar da Espanha.

 

Voltando ao centro, os últimos momentos de tour por Barcelona. À noite pegávamos o trem que nos levaria a Madrid. Nosso ponto final. Era um trem leito. Ficamos numa cabine super apertada, mas que tinha camas confortáveis e, apesar do barulho e dos solavancos deu para recuperar as energias.

 

foto: Márcio Moço

Museu do Prado em Madrid.

Pela manhã, em Madrid, deixamos nossas malas no aeroporto e caímos nas ruas, numa maratona andarilha por pontos de interesse turístico, o que, nesta cidade, soa como desafio, pois tudo tem interesse turístico.

 

Com o mapa, que não podia faltar, nos restringimos ao centro antigo, com seus museus, parques, praças e jardins. À tarde, já ciceroneados por mais um amigo, visitamos outros pontos interessantes além do Palácio real. Cansativo mas imperdível.

 

Quando voltamos ao aeroporto para fazermos nosso check-in para a viagem de volta ao Brasil, a surpresa. Nosso vôo havia sido cancelado e os passageiros estavam sendo transferidos para o domingo à tarde, sem maiores explicações por parte da companhia aérea.

 

Após um dia inteiro andando por toda cidade, agora tínhamos que enfrentar uma fila quilométrica, a qual era atendida apenas por um funcionário, que fazia  as modificações e dava os voucher para os hotéis e refeições. Somente à meia-noite e meia (desde às 19 h) é que consegui resolver minha situação.

 

foto: Pedro Ribeiro

A derradeira foto em Madrid,antes de embarcarmos (mesmo!) no vôo a Buenos Aires. Na imagem, Lili, Carlos Gil e Elias Pereira.

Na viagem de volta a mesma saga da ida. O avião partiu às 17 horas de Madrid. Chegou em Buenos Aires à 1 da manhã (horário local) ou às 6 horas da manhã, horário de Espanha. O avião para São Paulo saiu às 6h 50 e peguei o avião para o Rio, somente às 14h 50. Chegando em casa às 16 h 30. Horário de Espanha: 21h 30. Mais de 24 horas de viagem.

 

*editor do jornal OLHO NU

pedroribeiro@jornalolhonu.com

 

Clique aqui e saiba como adquirir a nova edição do livro de Paulo Pereira: "Corpos Nus - Verdade Natural"

Jornal Olho nu - edição N°72 - outubro de 2006 - Ano VII


Olho nu - Copyright© 2000 / 2006
Todos os direitos reservados.