') popwin.document.close() }

NATURALMENTE # 3


por Paulo Pereira*
 

 “Consideremos, mais uma vez, a falada questão da memória, especificamente da memória histórica. Todos nós, seres humanos, precisamos de uma referência. A vida, inclusive sob o ponto de vista científico, não é um mero somatório de acasos; até os genes têm memória...

 

Dou, então, dois pequenos exemplos relacionados à prática naturista no Brasil. Releio, no meu alfarrábio (sempre ele) um livreto publicado pela Federação Naturista Internacional, datado de 1972, sob o título de “Holiday Centres: A Naturist Conception”. Nessa publicação oficial da INF há um registro precioso: -“Members Organization of the INF; Brazil- Brasilien- Brésil – Assossiação Naturista Brasileira ( A.N.B.) – Dr. Tácito Antonio Heit- Director – P.O.Box 1996, 90.000 – Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil”. Como se vê, a A.N.B. (1969), fundada por mim, Paulo Pereira, e dirigida pelo colegiado formado por Daniel de Brito, Tácito Heit e Paulo Pereira, sucessora da pioneira Fraternidade Naturista Internacional do Brasil, como explico no livro “Corpos Nus”, está devidamente registrada como “Membro Oficial da INF”, atestando, mais uma vez, que a boa prática naturista no Brasil não foi interrompida com a morte de Luz Del Fuego; pelo contrário, a luta prosseguiu de forma bem organizada. São fatos históricos inteiros e documentados. Penso que são importantes, sempre, a pesquisa isenta, a boa leitura e a mente aberta para que se encontre toda a verdade.

 

O segundo registro que faço, dentro do assunto de memória histórica, é o relativo a uma carta por mim recebida da American Nudist Research Library”, Flórida – Estados Unidos, datada de 09/01/2003; nessa carta, escreve Helen Fisher, Presidente da American Nudist Library: - “We wish to thank you for your book “Corpos Nus”... And we are archiving it in our Library for visitors to see. The main purpose of our Library is to archive nudist history and preserve magazines, videotapes and books for our children and grandchildren. If you are ever in our area, please, feel free to stop in and visit”. É interessante notar ainda que o lema, da referida biblioteca americana, organizada e séria, é “with proud in the past”... Ter orgulho e respeito pelo passado, ajudando a preservar a memória nudista-naturista, eis uma tarefa digna e indispensável. Assim como a natureza não dá saltos, promovendo o processo evolutivo ao longo de milhões de anos, também a verdade histórica não se inventa, mas se constrói a cada dia; a história, como afirmou Marx, não depende da vontade subjetiva dos homens. Um país sem memória é uma coletividade sem referências, sem base. Da mesma forma, o Movimento Naturista (filosofia e prática) não se estrutura fielmente sem sua melhor tradição.
 

Seria, então, oportuno salientar aqui igualmente a longa entrevista que eu e Sérgio Oliveira concedemos, em outubro de 2005, ao Site “Pelados”, e que tem sido reproduzida, em síntese, pelo Jornal “Olho Nu”. Recomendo sua leitura. E o faço não por vaidade pessoal, mas porque as minhas palavras e as do Sérgio constituem um depoimento importante, parte da longa história nudista do Brasil. O naturismo, ou nudismo, não é nenhum oba-oba, nem nasceu subtamente. O naturismo como eu já disse, é um processo, que se afirma por seus mantenedores conscientes. Coloquemos sempre esta questão com clareza.

 

Anoto, ainda agora, o fato de ter o repórter Ricardo Miranda, da Revista IstoÉ, mostrado interesse em conversar comigo sobre as questões naturistas, especialmente depois de ter lido a referida entrevista em “Olho Nu”. Só espero que, ao grande público, possa chegar sempre um texto com verdade e clareza.
 

Como estamos comentando a respeito de fatos históricos, e de memória, seria válido mencionar a chamada questão das pessoas sozinhas nos espaços nudistas. O assunto é até um tanto controvertido ou polêmico, mas penso que tem faltado, algumas vezes, uma análise mais direta da questão, inclusive à luz dos postulados históricos e filosóficos do naturismo oficialmente.
 

Sem me aprofundar aqui e agora para não alongar demasiadamente o texto, cumpre notar que, embora antiga, essa questão dos desacompanhados parece-me, sobretudo, mal enfocada, um tanto distorcida. Recordemos que o naturismo coloca, de forma tácita e oficial, que é um movimento (ou filosofia) aberto, quer dizer: sem excluir ninguém por motivos raciais, sociais, políticos ou religiosos. Os postulados naturistas já consagrados, e devidamente publicados no “INF-Handbook”, por exemplo, não falam em distinção, inclusive de idade, de sexo, de preferência sexual ou de estado civil. O Naturismo não aceita preconceitos, e promove um despojamento integral de seus participantes lúcidos, em estado de nudez, de preferência no seio da natureza.
 

Diante disso tudo, a existência pontual de cercas, compartimentos e regrinhas secundárias parece-me coisa descabida e até um tanto herética. Seria, em última análise, a aceitação ou a concretização de preconceitos? Talvez. A nudez dos solitários ameaça, incomoda? Diriam uns tolos que “se mostramos a nudez de nossas mulheres, então é preciso que eles, os sozinhos, mostrem também a nudez das suas mulheres...” Isso é uma vergonha! Essa colocação é inteiramente distante da verdade naturista e de suas práticas oficiais. O naturista não vai ao clube, ou a praia, para ver e ser visto. Naturismo não é exibicionismo. Por outro lado, procurar, através de medidas de bom gerenciamento, alcançar um possível equilíbrio da presença de homens ou mulheres é tarefa possível, mas sem a criação de ambientes separados.
 

Os eventuais problemas ou inconvenientes, surgidos nos espaços nudistas, não são positivamente privilégio dos desacompanhados. Na minha longa prática, tenho presenciado vários episódios de comportamentos inadequados por parte de muitos casais “bem constituídos”... A grande questão é uma só: o que vale mesmo é a atitude, o comportamento individual adequado. Imaginemos o constrangimento de um naturista que se divorcia ou que fica viúvo... Vai ter que pular para o outro lado da cerca? Pelas barbas do profeta! E o caso dos filhos que crescem e tornam-se temporariamente nudistas descasados? O que fazer?... O naturismo de verdade nunca foi praticado em guetos; o naturista não deve se fazer diferente dos demais seres humanos. O naturista continua sendo um homem comum, de preferência nu e sem preconceitos. Mas não basta tirar a roupa, fazer-se acompanhar por seu par (homem ou mulher), protegendo-se num dos lados de uma cerca qualquer para ser, então, naturista. Chega de conversa mole e, sobretudo, de invencionices, de casuísmos, que só servem para dividir, para criar dificuldades. Será que o objetivo é esse mesmo, o de criar dificuldades para vender facilidades? A solução parece-me simples, como simples é o próprio naturismo: basta prestigiar e incentivar a presença assídua das famílias para que o ambiente alcance um equilíbrio. Em caso de transgressão grave, que se recorra ao poder público. Sejamos objetivos.
 

O Naturismo não pode nem deve favorecer qualquer tipo de divisão, de castas ou de preconceitos a nenhum pretexto. Já o notável Nietzsche preconizava a construção de uma cultura ligada à vida e não ao mero pragmatismo; e o naturismo é uma filosofia de vida, uma cultura centenária estritamente ligada à natureza. Reafirmo que a vida é uma energia que desconhece privilégios e separatismos; tratemos de ser fraternos e tolerantes.
 

Paulo Pereira
Fevereiro/2006

 

*Biólogo, escritor, ex-presidente da Rio-NAT

indiangy99@yahoo.co.uk

Jornal Olho nu - edição N°65 - fevereiro de 2006 - Ano VI


Olho nu - Copyright© 2000 / 2006
Todos os direitos reservados.