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NATURALMENTE # 2


por Paulo Pereira*
 

Recordemos que o Homem não criou essencialmente nem mesmo a mais simples das espécies vivas, e que, tal como as demais, a espécie humana é parte integrante da biosfera, da natureza que conhecemos na Terra. A consagrada seleção natural (de Sir Charles Darwin) e a seqüência de mutações, por exemplo, são dois fatores fundamentais na constituição da diversidade viva, da evolução permanente de seres.

 

E a natureza conhece o pecado? A natureza admite julgamentos? Richard Dawkins, renomado biólogo, nos diz que não há razões para o estabelecimento de limites, de censuras; nenhuma lei na natureza nos afirma que as fronteiras devem ser claras... Dawkins proclama diretamente: - “A natureza não é bondosa nem cruel: é indiferente. A aparente delicadeza nasce do mesmo imperativo que a crueldade”. Evitemos utopias e delírios. É bom manter os pés na realidade, na realidade nua... Como indagou, de forma inquietante, Camille Flammarion, “para que serve nascer?...” A nossa existência começa objetiva e essencialmente no instante do nascimento? Pensemos nisso tudo. É bom pensar.

 

O nascimento, enquanto origem pelo menos, traz, para muitos, a marca do pecado... Já em 1952, na edição de maio da famosa revista “Saúde e Nudismo”, José Fernando V. Carreira, antigo confrade naturista, falou em “remissão do pecado original pelos nudistas”, numa proposta inteligente mas extravagante. A colocação de Carreira vale como registro histórico-filosófico curioso e sagaz, ressaltando aspectos da lenda de Adão e Eva, que, como eu já disse, se fazem eternos, homem e mulher, em cada um de nós... Mas Carreira, em certa altura de seu artigo, escreveu: -“Ambos nus, Adão e Eva, em pleno “Paraíso”, mas os olhos cegos completamente para a maledicência inexistente no Éden”... Com a proclamada desobediência, uma vez comido o fruto proibido, surge o pecado! Embora pecados e paraísos pareçam-me utopias, ou fantasias, Carreira propõe, não sem talento, que os naturistas, nus e despojados, são exemplos vivos de vitória sobre o dito pecado original... Haveria, como talvez tenha proposto Celso Rossi em seu livro, uma “redescoberta do homem”, nu e inocente junto da natureza, divorciado das censuras sociais. Seria assim? Haveria controvérsias... Certamente o que está consagrado pelo Nudismo-Naturismo, desde Ungewitter, parece meio distante, filosofia e prática, da colocação “bíblica” de Carreira. Mas é inegável que a idéia de libertação pela nudez natural tem valor e verdade. Parece-me, então, relevante, como tenho sempre destacado, a participação efetiva da família nos espaços naturistas, aí sim promovendo um equilíbrio sadio, uma vivência nudista feita de simplicidade e até de pureza.

 

Observemos, aqui e agora, que a mencionada prática nudista não representa estritamente uma volta radical à natureza dita selvagem; os naturistas não são (nem precisam ser) trogloditas... Evitar, por exemplo, o excesso de artifícios pode ser considerado como forma de sabedoria; como primatas, estamos inseridos na natureza, mas também é verdade que os naturistas não precisam (nem devem) desprezar as conquistas da ciência e da tecnologia, que são igualmente frutos da inteligência e da criatividade humanas.

 

O certo é que ninguém realmente carrega, ao nascer, culpas e pecados por ter sido gerado e parido biologicamente. A natureza não pede julgamentos! Repito sempre isso com ênfase. As questões relativas à consciência e ao chamado Karma são complexas e merecem exame especial, o que não invalida a colocação feita a respeito da natureza sem culpa.

 

A nudez está precisando ser despida: de preconceitos tolos, de superstições anacrônicas e, sobretudo, de espantos hipócritas. Tenho sempre sublinhado, ao longo de textos e falas, o exemplo precioso de nossos índios, que mostram livremente sua nudez sempre digna (como afirma Darcy Ribeiro), integrada à natureza, com simplicidade e respeito. O índio (não aculturado) vive como a natureza manda! Melhor exemplo (sobretudo para os naturistas) não há, por certo.

 

Falamos do viver naturalmente, sem culpas ou pecados; mas espero que sem utopias também. A liberdade verdadeira deve ser cultivada pelo combate contínuo aos preconceitos. Tudo que condenamos a priori, sem reflexão ou estudo, nunca poderemos entender. A propósito, o velho companheiro Daniel de Brito, pioneiro, já em 1953, nos falava sobre os preconceitos e as mentes livres, numa bela tradução publicada na revista “Saúde e Nudismo”. Escreveu Daniel: - “Podeis vós vencer um preconceito? Para vencer alguma coisa é preciso reconquistá-la repetidamente... A questão é compreender o processo total do preconceito, e isso não de um modo puramente verbal, mas de modo fundamental, profundo... Como aparece o preconceito? Um dos modos é, sem dúvida, através da chamada educação... A crença é criada, modelada no indivíduo desde a infância, transformando-se em preconceito... Eu vivo na minha fortaleza de preconceitos e vós viveis na vossa; entretanto, olhamos isso por alto e nos esforçamos por sermos amigos... É realmente a forma mais absurda de procurar amizade. Como pode haver afeição real, se eu vivo no meu preconceito e vós no vosso?... Sabemos como surgem os preconceitos, como eles se produzem para nossa autoproteção, que é um processo de isolamento... Somente quando a mente está livre de reações autoprotetoras internas, somente quando há isso, é que existe a possibilidade de libertar-se do preconceito... E, para compreender-nos a nós mesmos, deve haver consciência sem coação, sem justificativas ou condenações; é preciso que se tenha consciência livremente, sem qualquer forma de medo”. Palavras muito sábias e bastante oportunas. Essa pequena tradução é objetiva e clara, feita por Daniel a partir do original em inglês “Krishnamurti’s Talks”, de Madras, Índia.

 

O naturismo nudista, que conhecemos e praticamos, deve, inclusive, buscar inspiração igualmente nessas palavras simples e profundas dos ensinamentos da velha Índia. Os monges jainistas andam inteiramente nus sem culpas ou pecados, acima dos preconceitos vazios. A nudez é traje de nascença, não pedindo justificativas nem castigos. Quem tem medo da vida?... Como eu destaco, no título da próxima terceira (3ª) edição do meu livro (prevista para fins de março de 2006), os corpos nus são uma verdade natural, acima de julgamentos subjetivos.

 

Sugiro que uma boa reflexão seja feita, de preferência através de cuidadosas meditações, para que se tente alcançar a dimensão da verdade e da compaixão. Em vez de violência, de intolerância, de barulho inconveniente e de tagarelice fútil, que se cultive o silêncio prazeroso e inteligente; a sociedade anda nivelada por baixo. É bom estar nu de corpo e alma para que se vislumbre o infinito...

 

É mister combater a preguiça mental, e agir com determinação. Emerson dizia que “nada de grande jamais foi atingido sem entusiasmo”. O Naturismo, ou Nudismo, não existe para polêmicas vazias nem para o lucro fácil. Um pouco mais de informação adequada e de reflexão pode ser base para um aprendizado precioso. Ser nudista é também despir-se de apegos inaturais: em lugar de culto às roupas, culto à vida!

 

*Biólogo, escritor, ex-presidente da Rio-NAT

indiangy99@yahoo.co.uk

Jornal Olho nu - edição N°63 - dezembro de 2005 - Ano VI


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